quinta-feira, 21 de março de 2013

Nós somos o lugar onde estamos



… e porque quando saímos para falar com as pessoas, esbarramos em lugares, em ruas, em casas, em pedaços de vidas que, em silêncio, falam connosco…….







terça-feira, 19 de março de 2013

UM CONTADOR DE HISTÓRIAS....DA VIDA

O Sr. Augusto António é um contador de histórias. Pausadamente, ao ritmo da memória, recua até à Rua de Santa Maria, nos anos 30 e sorri:

- Eu era da zona do Calhau. E era maravilhoso. A minha mãe teve 18 filhos, acho eu, que morreram muitos. Não tínhamos brinquedos, quando encontrávamos algum carrinho de madeira, sem rodas ou partido, deixado por algum menino rico, era um tesouro…

A vida do calhau era praia. Foi à escola. Fez o 2º ano do ciclo, depois, não quis estudar mais…. Foi aprender a arte de “desenhador” numa firma de bordados.
Conta dos livros que sempre o apaixonaram . Conta dos filmes que via com o avô, analfabeto, que o metia dentro de um capote, um pouco à maneira do Cinema Paraíso. Conta como lia em voz alta as legendas…. Conta das viagens. Da primeira, sozinho, no Vera Cruz, para visitar um amigo de Famalicão. Levava uma toalha bordada, fruta e um cacho de bananas para oferecer. Conta do espanto que causava pelo caminho.
- Sou da Madeira.
- Nunca tinha visto ninguém da Madeira.
E perguntavam se tinha muitos macacos, muitos pretos. Nunca tinham visto um cacho de bananas, nem abacates, nem anonas.
  - Não percebiam o que eu dizia. A nossa pronúncia era muito carregada. E então no calhau…. Lembro-me que o meu pai me tinha dito que nunca confiasse num continental:
- Havia muitos continentais que vinham para a tropa e enganavam as moças…. Vai sempre com um pé atrás, disse-me ele .
Foi ao contrário. Completamente ao contrário. Foi lá que provou outras coisas que não milho ou caldeira – pastéis de bacalhau, arroz de frango…. Voltou lá muitas vezes de barco; voltou no hidroavião (o pai foi buscá-lo porque ficou doente). Foi em Famalicão que encontrou um amor para a vida, uma mulher mais velha sete anos, com quem viveu 52 anos. Não se esquece o que ela lhe disse: - O menino vai para a escola e depois a gente conversa.
Não foi à escola. Ficou doente de amor. Foi consultado em Lisboa pelo Dr. Egas Moniz, o Nobel. Um orgulho.
  - Isso é paixão.
Casou. Vai para o Brasil trabalhar em bordados. Havia umas fabriquetas em S. Paulo…. Tinha um fascínio pela vida do Rio de Janeiro…. Depois, por razões de ordem vária, quando o bordado decaíu, vai para a Austrália. Tem histórias sem fim deste lugar, de trabalhos e de aventuras, de esperanças e de desilusões. Viveu lá mais de 40 anos. Foi funcionário público sem saber escrever inglês. Nunca gostou daquela terra, nem daquela gente:
- Têm um espírito muito curto. São racistas. Naquele tempo, não suportavam o emigrante. São ilhéus mais fechados do que os madeirenses do lugar mais recôndito da ilha….

E conta outras histórias. Com vagar…. Ao ritmo da memória…. Havemos de as contar…. Esteja atento.


  A story teller

Augusto António is a story teller. Following the rhythm of his memory, he went back in time, to the 1930s when he used to live in Santa Maria and smiling said to us:
- I used to live down by the beach. I was wonderful. My mother had 18 children, I think. Some have died. We had no toys and sometimes when he found a lost wooden car left on the street we believed it was a treasure… Life in that place was spent at the seashore. He attended school and after the 6th grade he decided to abandon school. He went to learn how to make drawings at an embroidery factory.
He told us that he loved reading. He also told us about his grandfather, a fisherman who could not read nor write but who took him to cinema. He had to hide himself under his raincoat. He remembered reading aloud the subtitles to his grandfather… He told about his voyages. The first, on board Vera Cruz, when he went to see a friend in Famalicão. He took an embroider table cloth, some pieces of fruit, a banana bunch to offer the family and the remembered how people stared at him.

- I am from Madeira, he explained.

- I had never seen anyone from Madeira, people answered back.
And then they asked if there were many monkeys and Negroes. They stared at the bananas, at the avocados, the custard apples. They did not understand what I said. Our pronunciation was very different at that time. My father warned me:
- Son, do no trust those people in the mainland. Probably this was because some of the military men who spent some time in Madeira cheated on the local girls…. Be aware, he told me. Things happened differently. People were kind and he tasted so many different kinds of food.
He went back in the following years and once his father had to fly on the Aquila Airways plane to bring him back. He was sick. He had met the love of his life. A young girl seven years older than him with whom he married and lived for 52 years. He still remembers what she told him when he proposed to her:
- You are too young. You have to carry on your studies and then later we can talk about it.
He did not go back to school. He was in love. Madly in love and got more and more sick. In Lisbon he had an appointed with Dr. Egas Moniz, who told his father:
- The boy is in love. The finally got married. The couple went to Brazil and Augusto started working in the embroidery business. He was employed by some small factories in São Paulo … but he was completed fascinated by the way of living in Rio de Janeiro… Then, he decided to go to Australia. Emigrants were not welcomed. They are islanders too, but narrow minded… worse than Madeirans who live in the interior of the island …
And he kept on telling stories…. Soon we promise to share them with you …

quarta-feira, 13 de março de 2013

uma carta misteriosa


A vida também se completa com os imprevistos … com os acontecimentos inesperados que chegam ao nosso colo ….

A nossa história de hoje começa com um passeio em família na Praia Formosa. Vitor Bettencourt, encontrou-se com uma folha de papel amarelecido que esvoaçava ao sabor do vento atlântico ...

Sem hesitar, pegou na folha … olhou de relance e vendo de que se tratava de uma carta datada de 11 de março enviada de Lourenço Marques (presumimos que do ano de 1944) e resolveu guardá-la. Já se passaram cerca de 10 anos e há dias, a carta ganhou vida ( sim, porque as palavras têm vida própria!!) e exigiu de Vitor Bettencourt um olhar mais atento:

O primeiro passo foi transcrever a missiva. Em seguida, e para facilitar a leitura dos menos habituados, Vitor Bettencourt reescreveu a carta, já sem erros ortográficos e tentando completar o que entre linhas se esconde. Não satisfeito ainda, passou alguns dias no Arquivo Regional do Funchal à procura de Sofia … a destinatária da carta …. aquela a quem o marido escreveu dando conta de que

- estou muite  bam pago 800$00 per meis cama e comoda roupa lavada e gomado e pontiada …

A carta está ( supostamente) incompleta. Faltará eventualmente alguma folha. Não sabemos quem é a Sofia. Não sabemos quem é o marido de Sofia. Mas sabemos que Sofia e o marido viveram longe um do outro, que ele lhe escrevia para matar as saudades e para lhe dar noticias do que estava fazendo e de como ia a vida em Lourenço Marques…

É assim a vida… interrompida… ziguezagueante …. esvoaçante, mas feita de gente como nós …

a misterious letter

Life is also made up of unexpected and special moments … the story of today began with a family walk at Praia Formosa. Vitor Bettencourt found an old and yellowish piece of paper flying in the Atlantic breeze…

He picked it up and gave it a glance. It was a letter dated from March 11th (presumably from the year 1944) and decided to keep it in a drawer at this home office. It has passed almost ten years, and some days ago, the letter gained life (yes, words do have a life of their own!) and demanded Vitor Bettencourt to examine it more carefully:


The first step was to transcribe the letter. Then, and in order to facilitate reading, Vitor Bettencourt re-wrote it, getting rid of the mistakes and trying to complete the sense, that is, reading between the lines – a demanding but rewarding task, indeed. Later, and still not pleased with the results, he spent some days at Funchal Archive looking for Sofia … the person to whom the letter had been sent … the wife whose husband had written telling that :

-         I am very well paid 800$00 per month for a bed and cleaned laundry…

The letter is incomplete. We think that a page might be missing. We don’t know who Sofia is. We don’t know who her husband is, either. However, we do know that Sofia and her husband lived apart from each other and that he wrote to her telling about his life in Lourenço Marques and how he missed her so much…

Sofia’ s letter is a perfect example of the ways of life … fragmented, twisted … winding, but made up of people just like you and I.





segunda-feira, 11 de março de 2013

Uma guitarra


 
A história de hoje, traz fado dentro. Pela voz da filha, conhecemos a história de João - jardineiro da Câmara, nos anos 40, plantador de flores e de sonhos.

Já casado, decide partir para a Venezuela, à procura de futuro. Tem lá um irmão que o manda chamar. .. Pede, então, dinheiro ao tio padre, para a viagem. Tinha de passar em Lisboa por causa do visto. Mas o visto demorou. Demasiado tempo.

E o dinheiro para se manter em Lisboa – por mais humilde que fosse a pensão – acabou. Era preciso mais uma remessa. Escreveu, então, uma carta que chegou ao destinatário uma semana depois. Demasiado tarde.

Não havia outra solução, senão vender um dos dois valores que levava: a aliança do casamento ou a guitarra. Vendeu a..... aliança.

Ele morreu, mas a  guitarra permanece. Sentada . Ainda guarda a mesma corda que lhe abraçou as noites duras dos primeiros tempos em Venezuela:

- o meu pai tirava areia de um rio e dormia sobre sacas, mas nunca deixou de cantar o fado.

A vida mudou. Como outros emigrantes, João construiu a vida. Levou consigo a familia. Conheceram treze casas. Porque à procura do lugar melhor. Sempre de passagem.

O seu lugar era aqui. E voltou. Para ficar. Logo que pôde, comprou outra aliança. Mas  foi fiel à guitarra. E ao  fado. E à família. E ao seu lugar. 



A guitar


Our tale of today tells about Fado. Joao´s daughter remembers her father so well – a gardener, who during the 40s, went away chasing his dreams.

He was already married when he decided to leave Madeira. He wanted to go to Venezuela because he had already a brother there. He asked for a loan to one of his uncles, who was a priest. João had to stop for some days in Lisbon waiting for the visa.

The days passed and he spent all the money. He wrote a letter back home asking for more money but it took too long to get to Madeira.

He had no other choice. He needed money desperately and the solution was either to sell the wedding ring or the guitar. He decided to sell ….. the wedding ring.

João is already dead. His daughter still keeps his guitar … the one that helped him endure the long and harsh nights in Venezuela:

-          My father used to work in the river…. he collected sand…. and he used to sleep on the top of the sand sacks … and he never stopped singing Fado.

Life has changed. Like most of Madeira emigrants, João struggled hard to build his own life. He sent for this family after a while. They were always on the move: they have lived in 13 different houses… always rolling.

But he belonged here and so he came back. As soon as possible, he bought another wedding ring. He never ever sold his guitar, though. Nor will his daughter!!

 
 
 


 
 




 

sexta-feira, 8 de março de 2013

À procura de artistas


29 de Maio de 1962, Teatro Baltazar Dias, Funchal

Helena Paula e Carlos Alberto, locutores das produções HC, apresentaram a grande final do concurso À Procura de Artistas. Do programa da noite, constaram 12 concorrentes que interpretaram, na maioria, temas originais.

No dia seguinte, a imprensa regional anuncia os grandes vencedores:

Vozes masculinas

1º Classificado- Fernando Madeira, eleito igualmente príncipe da Rádio

2º Classificado- Carlos Gama

3º Classificado- Artur Campos

4º Classificado- Carlos Teixeira

Voz feminina

Lígia Fernandes, eleita Princesa da Rádio


Onde andam estas vozes? Porque impera o silêncio e o esquecimento? Ficamos à espera de notícias vossas, temos a certeza de que algures, alguém nunca se esqueceu destes artistas madeirenses!









29th May 1962, Teatro Baltazar Dias, Funchal

 

Helena Paula and Carlos Alberto, from HC productions, presented the grand final of the contest Looking for Artists. The evening was animated by 12 competitors who sang, most of them, original songs.

In the following day, the local press proudly announced the winners:

Male voices

1st classified – Fernando Madeira, who was also elected Radio Prince

2nd classified – Carlos Gama

3rd classified - Artur Campos

4th classified - Carlos Teixeira

Female voice

Lígia Fernandes, elected the Radio Princess.  




Why don’t we hear these voices anymore? Where are they? Why are they silent and why have we lost memory of these artists? We are sure somewhere out there somebody does remember them. Please, come and share with us what time cannot erase!

quinta-feira, 7 de março de 2013

ARAÚJO, Lídio, 2003, Os Bravos da Picada, O Liberal, Madeira.


Um diário de guerra. Ou quase. Porque a escrita do eu – jovem furriel madeirense – se esconde atrás de uma terceira pessoa:

“24/11/73: (...) Poderia ter fugido para lá dos Pirinéus, como muitos rapazes da sua idade, e trabalhar nas obras em França, no Luxemburgo ou na Alemanha. Mas para quê? Este era o seu país. (...) Ali era o lugar onde desejava constituir família e viver sem problemas de consciência po ser considerado refractário. Partiria, com fé e muita esperança de regressar são e salvo.” (p.11)

 

Ao longo de 127 páginas,o leitor acompanha a vida da 2ª Companhia do Batalhão Expedicionário 5014, entre novembro de 1973 e dezembro de 1974, entre Viana do Castelo e Moçambique, entre o Zóbué  e Lisboa [com a Madeira à vista]. São memórias de coragens e de angústias, lembranças de aerogramas e silêncios.

Deixamos-lhe  alguns excertos:

“25/11/73: Sem possibilidade para receber os últimos conselhos dos familiares mais queridos, guardar um abraço amigo, provar o beijo amargo da partida (...) os furriéis Araújo e Medeiros, ambos ilhéus, da Madeira e dos Açores, encontraram acolhimento, vão consolo de despedida, no gesto de solidariedade de uma desconhecida figura feminina(...). (p. 12)

“26/11/73: Pediu uma Coca-Cola. Era o seu primeiro contacto com aquela bebida americana. (...) E as Províncias Africanas não pertenciam à mesma nação? Coisas da governação salazarista” (p. 14)

26/11/73 : “é urgente vencer o primeiro inimigo, o medo” (p.15)

29/11/73 – 1ª CARTA: “os que já estão contaram-me coisas que não sei se devo ou não acreditar, mas tudo se ha-de compor...Adeus até ao meu regresso” (p.18)

4/12/73: “ Rezou à Virgem de Fátima, pediu-lhe protecção para si e para os seus companheiros e prometeu-lhe ir visitá-la no Santuário se conseguir regressar ao convívio dos seus familiares são e salvo” (p.22)

 25/12/73 [militares]: “escravos da incongruência bélica de uma alcateia de lobos atacada por semil demência”  (p. 27)

3/3/74:“Recebemos o pré. A nível dos furrieis, 4.300$00, ca e na Metrópole ficaram 11.700$00 (...) Quase todso os militares optaram por deixar 2/3 do pré na Metrópole, à guarda da família. (p.54)

1/4/74: “A grande maioria dos mainatos é composat por crianças os cinco aos doze anos, subnutroidos, esfarrapados e sem escolaridade que vagueiam pelo quartel, voluntários,sempre prontos a executar qualquer trabalho. Nada mais querem senão comida e protecção.

Uma vez por semana, levam a roupa para ser lavada no rio e trazem-na fresca e passada a ferro, quase sempre pelas suas próprias mãos, recebendo em troca 50$00 mensais. (p. 65)

Epílogo:

“fomos actores e espectadores de um drama que (...) deixou marcas profundas”  (p. 109)

“partimos contrariados. (…) Regressámos de cabeça erguida” (p. 109)

ESPERAMOS AGORA PELO SEU RELATO. Contacte-nos.
 

A war journal. Or a war notebook. It does not really matter the text type because what is important is that this is the story of a young soldier who created a persona to tell about wartime in the former Portuguese Overseas colonies:
24/11/73: (…) I could have tried to escape at the Pyrenees, like some did, and go to work in the construction field in France, Luxemburg or even Germany. But what for? This was my homeland (…) this is where I belonged and where I was sure to build my family in the future. Besides would I be able to live with the idea of being a deserter? So, I went to war and with hope and faith I was sure I was going to come back home safe and sound. (p.11)
In a 127 page book the reader gets to know the everyday life of the 2nd Expedition Company 5014 between November 1897 and December 1974. The story location is centered in Viana do Castelo, Mozambique, Zóbué and Lisbon [with Madeira Island always in sight, though]. These are pages full of courage, anguish, memories and many silences:
25/11/73: With no chance of listening to the advice of family and friends, to give a hug and kissed them goodbye (…) soldiers Araújo and Medeiros, from Madeira and from Azores found themselves welcomed and somehow comforted by an unknown feminine figure …. (p. 12)
26/11/73: He ordered a coke. It was the first time he was going to taste the American drink. (…) Were the Oversea colonies a part of the Portuguese nation? He wondered. Salazar policies he answered. (p.14)
26/11/76: The most important thing is to conquer the worst enemy: our fear. (p. 15)
19/11/73: 1st Letter: the ones who have arrived here first have told me stories I am not sure whether to believe or not, but I am sure everything will turn out right…. Goodbye and see you soon. (p. 18)
4/12/73: He prayed to Our Lady of Fatima and asked for her protection and made a promise to visit the Sanctuary if he ever came back safe and sound. (p.12)
25/12/73 [military]: we were the slaves of an absurd war; a pack of wolves suffering of insanity. (p.27)
3/3/74: We received the salary. The Senior Officers were paid 4.300$00 but here and in the mainland the amount of 11.700$00 was left. (…) Almost all the military chose to leave 2/3 of the salary in the mainland to be sent to their families. (p.54)
1/4/74: most of the servants were young boys, 5 to 12 year old boys, starving, ragged and illiterate who voluntarily were always ready to do any job. They only asked in return some food and protection. Once a week they did the laundry and brought the clothes back already ironed and were paid 50$00 for this service. (p.65)
Epilogue
We have been actors and spectators of a life drama (…) which has caused so many traumas. (p. 109)
Most of us left against our will (…) but we came back proud of ourselves. (p. 109)
This was officer Araújo’s tale. What about yours? Come and share it with us!!!!

 

terça-feira, 5 de março de 2013

O Bomboteiro[ nas palavras de Carlos Fino]


o bomboteiro vem a bordo

traz a ilha nos dedos

 

só não sabe bem que memória varou o casco

e porque sobe agora as ladeiras com espuma nos olhos

só o outono invoca os dias longos dos paquetes

 

já não regressa

ginga os passos ao sabor das nuvens e sonha

o bomboteiro

 
FINO, Carlos, 1986, XXIII poemas de ilha mar, DRAC, p. 15.

segunda-feira, 4 de março de 2013

UM BOMBOTEIRO - LUIS DA MOTA

Luis da Mota é (ainda) bomboteiro, filho de bomboteiro:

- o meu pai morreu a bordo do vapor do Cabo. Foi o coração. Estava a fazer negócio e deu-lhe um ataque, Eu e o meu irmão fomos tirar a licença.

Tem 83 anos, usa uma barreta preta, como nos outros tempos, vive na Rua de Santa Maria e continua a amar o mar, que lhe traz (ainda também) o pão de cada dia. Ele e mais uns ainda tentam vender os seus produtos na Pontinha, apesar de continuar a dizer

- quando há navio, vamos ao mar.

Traz uma ampliação de um retrato antigo de canoas e bombote

- os marítimos,

e vai narrando a arte , apontando para a imagem, como se voltasse atrás, a um tempo de durezas e alegrias, de negócios e de ingleses. Conta das canoas, das licenças, dos vimes que iam comprar à Camacha, das bonecas, dos barris, dos bordados

- que as nossas mulheres bordavam,

no intervalo das vidas.

Fala da forma como faziam subir a mercadoria, entre a canoa e o vapor, quando não era um vapor do Cabo, porque a esses podiam ir a bordo. Fala das vezes em que a mercadoria era recebida e

- não arriavam o dinheiro.

Fala pouco e precisa das fotografias para apoiar o seu discurso: 

- A mergulhança era isto: os pequenos saltavam das canoas. Eram  8 ou 9 canoas da mergulhança. Isto era daquele tempo do Venena.  Era dinheiro que entrava no país, de graça. O dinheiro era para os 3 do barco O cabo do mar deu cabo dessa mergulhança. Era reles, esse cabo do mar. Era o Alemão. Alguns ainda estão vivos. Ainda conheço alguns. Andam na zona velha. Param ali. Há um que trabalha com a gente, o Jana.

Fica depois calado, quando lhe perguntamos de outras coisas, como era a vida, se havia outros negócios, embrulhados nas toalhas que vinham de volta.

Que a vida era melhor, naquele tempo:

- às vezes, fazia-se mais de cinco contos e cinco  contos dava para as compras , para pagar a casa. Agora não dá para nada.

Como não tem mar para olhar, olha para os retratos que nos trouxe. Diz que serviram de reclame na Expo. E isso foi bom. Já ninguém se lembra deles….



Luis da Mota: a bumboat’s salesman

Luis da Mota was ( and still is) a bumboat’s salesman like his father was:

-          My father died on board a vessel. He had a heart attack. He was doing business and had a stroke, so me and my brother we decided to take a license.

He is 83 years old. He wears a black hat and he still lives in Rua de Santa Maria. He loves the sea and most of all he is thankful for having been able to make a life out of it. He, and some other guys sell their products at Pontinha whenever a vessel anchors at Funchal and although they have a small shop at the harbour they still say:

-          When a vessel comes in, we go to sea.

He brought along a painting of old bumboats and men selling their products

-          All men of sea,

And he pointed to the picture and going back on time he told  about good and bad moments, of business, of the English. He remembered the boats, the licenses, the wickerwork bought in Camacha, the dolls, the wine barrels, the embroidery,

-          Our wives stayed at home and made embroidery,

in their spare time.

He explained how the merchandize was lifted up on board. They were only allowed to go on board in the vessels that were destined to Cape Town. And he recalled the occasions when they kept the goods

-          And did not pay back.

He did not talk much and he needed the photos to organize his speech:

-          Young boys jumped from the little canoes into the water. Normally there were 8 to 9 canoes. One of them was called Venena. This was a way of earning money, for free. The money was divided between the men. The sea captain put an end to this activity. He was very strict. His nickname was “the German”. Some of these boys are still alive. I still know some of them. They come frequently to the old part of the town. They hang out there. One of them, works with us, his name is Jana.

Then he stopped. We asked him about living conditions and if there were other types of business … if smuggling was frequent…

And he answered that life was better back then:

-          Sometimes, we earned around 5 contos and the money was enough to pay the rent and go to the supermarket. Nowadays is not enough.

He focused on the photos he had brought to show us. They were used as a promotion during the Expo. It was a good thing to do. Now, nobody remembers these men any more…..