sexta-feira, 26 de julho de 2013

... os bandidos ....


A tarde de ontem estava morna .... o mar e o céu, ambos envoltos numa neblina densa e inebriante ... a baía sossegada ... a conversa recuando cada vez mais no tempo ... outras épocas, outras gentes, os bandidos!!! (da PIDE!) ....



Dona I. recorda esse tempo [maldito] … e sem sequer proferir uma palavra, sentimos a dor que as lágrimas não conseguem disfarçar.  Aguardamos em silêncio... aquele silêncio que vai falando ao coração.


Dona I. vai bebericando o café, devagar ... sempre devagar .... a pressa já não mora aqui [ aos 80 anos, o tempo tem todo o tempo para oferecer] ... e vai contando a história do pai.



- era um simples carpinteiro, mas meteu-se na politica. Teve de fugir. Eu tinha apenas 2 anos. O meu irmão talvez uns 11. Era ele e mais 3. O combinado era encontrarem-se nas Cruzes, de noite e depois irem juntos para a praia onde uma canoa os levaria até a um barco que estava ao largo ... bem longe. O meu pai conseguiu. Os outros dois não.

 
… volta a bebericar o café ....

 


- Fugiu para a Espanha (não sabe mais detalhes). Recebíamos cartas com um nome espanhol [já não me lembro sequer desse nome]. Até que um dia o meu irmão mandou dizer que ia casar. Já era um homem feito. As coisas estavam mais calmas e o meu pai chegou de surpresa.

 

… as lágrimas deram lugar a um sorriso largo … neste recordar do momento em que olhando para o porta de casa exclamou incrédula:

 

- é o meu pai!!!!


 
A alegria durou pouco. Logo no dia seguinte a família foi visitada por um agente da PIDE. E dias depois, o pai desapareceu … desta vez …. para sempre.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

.... dentro de um livro .....


 
Dentro de um livro, perdido entre recortes e outros papéis guardados para não se esquecer, encontrámos este documento.

Talvez valha pouco. Há de valer, pelo menos,  um momento feliz (ou não) de quem, em 1930, enfrentou o mar a bordo do Manuel Arnús.

Como este,  outros papeis andam por aí. Já pensou na(s) história(s) que este cartão encerra?
 
 
 
 
 
 

We have found this document inside a book that was kept among other papers.

We are not really sure about its importance but we can only guess that perhaps it is the memory of a happy moment for the one, who in 1930, entered on board the vessel Manuel Arnús.

We are sure there are so many loosen papers like this one kept in old boxes and cold attics.
 Have you ever wonder how many secrets can a simple sheet of paper hold?

quarta-feira, 17 de julho de 2013

quarta-feira, 10 de julho de 2013

MADRINHA DE GUERRA...



Episódio 3: o regresso

 

Continuaram, porém a corresponder-se. Quando ele voltou , levou-a  a conhecer os miradouros bonitos de Lisboa, sempre com muito respeito. Um dia, tiveram de se recolher debaixo de uma árvore, porque começou uma chuva de granizo, ela sacudiu-lhe o  casaco e  ela entendeu que aquele rapaz se tinha apaixonado por ela. E teve medo. E deu-lhe a entender que não.

Continuaram a encontrar-se: ele ia buscá-la ao comboio, iam lanchar juntos a uma confeitaria, conversavam. Era um homem ciumento, o Guerrinha, ou o Jonas. E ela não queria para si um homem que a impedisse de olhar , de falar, de rir...  

Depois, deixaram de se ver. M. G. tinha alugado um quarto numa casa de familia. Às vezes, o telefone tocava , perguntava por ela e ninguem falava.

- só podia ser ele. eu não conhecia mais ninguém.

M.G. escreveu-lhe, então,  duas cartas para a casa dos pais: uma, zangada e outra mansa. Dizia que queria ser amiga dele, que não se sentia bem em ser uma pessoa zangada, porque lhe tinha dedicado o seu tempo. Que ele escolhesse uma das cartas, que qualquer delas identificava a sua personalidade e a sua maneira de pensar.

Um dia, recebe a resposta. Pedia-lhe que o deixasse crescer, que não havia de demorar muito tempo.

Ela não gostou dessa conversa. Ela já percebera que ele gostava dela, que tinha boa intenção, mas estar ali tão perto e não se verem – ela que estava sozinha em Lisboa ...

Um dia, marcaram encontro no Cais do Sodré, para irem almoçar a casa de um irmão que vivia na outra banda. Ela inventou uma desculpa e não foi.

Veio embora para a Madeira e não lhe disse nada. Um dia, vinha da praia, em Câmara de Lobos, viu-o. Ficou tão atrapalhada, tão aflita, não sabia se falava ou não:

- Olhei para as Rochas do Rancho, para o Rancho, para o Cabo Girão, passei por ele como se não o conhecesse. Ela subiu e não voltou a olhar para trás.

Passados anos, ele casou-se, ela também. Não sabiam um do outro.

Num  1ºde janeiro, de manhã, M. G. recebe um telefonema. Reconheceu a voz. Era o Jonas. Olhou para cima e viu o marido na escada. (ri) Já era casada e tinha filhos.  Perguntou-lhe como tinha conseguido o seu número de telefone. Explicou: tinha ligado para a Madeira e a mãe dela tinha dito que ela estava no Porto .

Contou-lhe, então,  que se tinha casado, que tinha 2 filhos e que estava divorciado . Ela disse que se tinha casado também.

Se podiam voltar a ser amigos? Não. Ele continuava a manifestar a mesma insegurança da juventude. Nunca mais se viram.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

MADRINHA DE GUERRA o encontro


 

M.G. nunca teve ideia de conhecer pessoalmente o seu afilhado. Veio a saber que os pais viviam continente,  mas que  o Guerrinha tinha ligações à ilha: a mãe era madeirense e tinha familiares aqui que a conheciam.  Nunca  teve a preocupação de os ir procurar.

Ele contava da sua angústia , de uma grande preocupação de não sair de lá, vivo. Contava poucas coisas da guerra.  Ela só lhe dava apoio naquilo que ele lhe dizia , porque não tinha muito mais para lhe dizer: não era da terra, não conhecia a familia....mas  inventava um bocado de conversa.  A ideia era mesmo essa: conversar, entreter e dar alento.

Não assinavam o seu nome. Ela diz não se lembrar do nome que lhe chamava. A memória, entretanto, trouxe-lho: Jonas. Ela chamava-se MAGA ( e ela soletra). Adotaram estes nomes desde o princípio. E até ao fim.

Um dia,  M. G. recebe um aerograma do rapaz , dizendo que vinha a Portugal, que tinha tido licença para vir ao continente e que queria conhecê-la. Nesse tempo -  e ele já sabia disso- ela estava em Lisboa, no Centro d do Alcoitão, a fazer o curso de Enfermagem de reabilitação. Nesse tempo, na Ortopedia Cirúrgica, a enfermeira já conhecia bem a dor das experiências traumáticas, dos jovens acidentados, dos traumatizado de guerra.

Pensou algumas vezes que, um daqueles rapazes  poderia ser o seu afilhado... . E isso fazia dar-lhe mais força, para que ele se empenhasse mais em que isso não acontecesse, que tivesse cuidado.. . Não queria pensar na possibilidade de nunca mais receber aerogramas, talvez porque no seu intimo do intimo nunca pensou que ele pudesse morrer....

Quando ele veio (ri), quis saber o seu contacto, deu-lhe o número do telefone do Centro do Alcoitão, marcaram um encontro e encontraram-se. Ela disse como é que ia vestida (ri). Lembra-se da roupa que levava: uma sainha conzenta e um puloverzinho branco e um casaco cor de flor de tabaibo.... era um vermelho claro, alaranjado... forte.

Nunca tinham trocado fotografias. Apenas  palavras. Nada de intimidades. Foi uma correspondencia muito séria.

Depois, a coisa mudou um bocadinho. Gumercinda não foi atrás de conversas, mas o que é certo é que percebeu que ele queria outra coisa para além da amizade.  

Não aceitou o namoro, mas ele insistiu e depois ela disse que não, que ele fosse acabar a tropa e que conversariam quando ele voltasse.  

- ele perguntou-me porquê e eu fui bruta.  Disse-lhe que, entretanto, podia aparecer um rapaz de quem gostasse mais . Isto era para que ele me  tirasse da ideia e se libertasse de mim ...

 

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Madrinha de guerra

Episódio 1: a intenção
 


 

M. G. tinha 26 anos e era enfermeira no Hospital da Misericórdia. Estava a começar o trabalho que havia de levar para a vida, uma missão que ela sabia importante, num tempo de guerras e de vidas muitas vezes desfeitas, logo na juventude.

No Ultramar, havia rapazes  a cumprir o serviço militar, rapazes da sua rua, miúdos que vira crescer, na alegria dos caminhos. Aqui, na ilha, percebia a angústia das mães, das namoradas, e a importância que as palavras tinham na vida dos dois lados da pátria.

Descobriu, então, que havia revistas que traziam pedidos de militares que queriam corresponder-se com madrinhas de guerra. Da lista, escolheu um nome, quase ao acaso. Na verdade, não havia nenhuma informação relativa aos rapazes, para além do nome e das moradas Respondeu. Ofereceu-se. Ele disse que sim.  

M. G. trouxe ao nosso projeto a sua historia da guerra. A memória da primeira carta: dizia-lhe que vivia à distância o medo que ele sentia, a solidão e o isolamento, a falta da familia, a falta dos afetos da familia,  as incertezas da guerra.

Lembra-se desse dia. Tão bem. Fazia o turno da noite. Era um momento de calma no hospital. O Funchal espreguiçava-se lá em baixo....

- Caro militar..... caro afilhado..... caro amigo.....

Se se lembra do nome? Perfeitamente. Era o Guerrinha.

- O Guerrinha na guerra .... (ri)

Nesse tempo, não tinha muita noção do que era aquilo. Sentia que devia ser uma coisa de muito sofrimento, mas não tinha muito bem estruturado dentro de si o que significaria era obrigação de ir para a África; era politíca e a politica não lhe dizia praticamentenada. Não falavam nisso entre as raparigas. Só quem tinha familiares no ultramar é que se interrogava, ou não. Os rapazes tinham de ir. Pronto.

- Participei nisto de ser madrinha de guerra  por ser meio solidária, meio maluca, meio atrevida.

Ele estava em Moçambique. Ela aqui. Ele não era madeirense. Ela sim. Portanto, o que tinha a fazer era ouvir os seus desabafos, dar-lhe  apoio, força, esperança num regresso onde ele ia encontrar um rio, um oasis de “pão e mel”, de felicidade. Falava-lhe do que tinha cá, dos seus entes queridos que o esperavam, dizia-lhe  que vivesse bem, para ser depois consolado com todos os afetos da familia e dos amigos.

[continua]