terça-feira, 28 de julho de 2015

Regressos [dos que partiram]


Como se fosse a primeira vez. Como se o tempo da lonjura fosse ainda maior do que, efetivamente, terá sido.  Como se o nunca mais se tivesse colado à pele do coração. Como se.

Regressam nas asas do verão, com as saudades arrumadas naquele canto do peito que não se consegue trancar. Mesmo que vivam mil anos, não esquecem o lugar onde mora a  dor do ter de ser, da partida para um qualquer lugar longe de casa, para um qualquer lugar longe dos seus.

Trazem os olhos rendidos à paisagem da terra e os braços prontos para abraçar quem ficou à espera do abraço.  Vêm com as conversas prontas e uma vontade imensa de estar. Apenas isso: de estar. Sem que o resto tenha qualquer importância. Porque o que importa é alimentar a reserva de afetos de que a distância vai precisar, ao longo de um ano inteiro, ao longo do tempo quase sem tempo que dura a ausência.

Regressam com uma mala de sonhos para contar. E de esperanças. Talvez não contem a verdade da vida - nem sempre a realidade das coisas e dos países de onde vêm merecem uma narrativa. Talvez não valha a pena ensombrar as férias com histórias de dificuldades e de inseguranças e. Talvez não valha a pena. 

Regressam com os olhos rasos de mar e as raízes do coração à flor da pele. Regressam porque é preciso regressar.

Desfilam, depois, a distância, orgulhosos da coragem de terem ido. Talvez ainda paguem uma rodada no arraial. Talvez ainda deixem escapar uma palavra desconhecida que comprove o seu saber feito de mundo. Talvez ainda tentem mostrar que, no longe que fica atrás do mar, há  coisas muito outras, muito diferentes, coisas.

Regressam, porém, pensando que vão partir outra vez. Porque o regresso do emigrante tem sempre pendente o bilhete de ida. Mas, enquanto andam por aqui, vão emendando a vida: basta o sorriso velho dos pais que ainda se sentam no terreiro, a ver a noite cair; basta a carícia azul do mar que continua a lavar a alma; basta o poema verde das serras a entrar, manso, pela janela adentro; basta o cheiro da cidade para inebriar os sentidos.

Os emigrantes regressam nas asas do verão. Vêm à procura do chão. Então, depois, com as raízes mais fortes, partirão para olhar para o céu com os olhos lavados. Vêm restaurar as asas. Então, depois, com as feridas tratadas, empreenderão voos mais altos, no lugar para onde, certamente, terão de voltar.

De Graça Alves, in Jornal da Madeira de 28/7/2015

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