Como se fosse a
primeira vez. Como se o tempo da lonjura fosse ainda maior do que,
efetivamente, terá sido. Como se o nunca
mais se tivesse colado à pele do coração. Como se.
Regressam nas
asas do verão, com as saudades arrumadas naquele canto do peito que não se consegue
trancar. Mesmo que vivam mil anos, não esquecem o lugar onde mora a dor do ter de ser, da partida para um qualquer
lugar longe de casa, para um qualquer lugar longe dos seus.
Trazem os olhos
rendidos à paisagem da terra e os braços prontos para abraçar quem ficou à
espera do abraço. Vêm com as conversas
prontas e uma vontade imensa de estar. Apenas isso: de estar. Sem que o resto
tenha qualquer importância. Porque o que importa é alimentar a reserva de
afetos de que a distância vai precisar, ao longo de um ano inteiro, ao longo do
tempo quase sem tempo que dura a ausência.
Regressam com
uma mala de sonhos para contar. E de esperanças. Talvez não contem a verdade da
vida - nem sempre a realidade das coisas e dos países de onde vêm merecem uma
narrativa. Talvez não valha a pena ensombrar as férias com histórias de
dificuldades e de inseguranças e. Talvez não valha a pena.
Regressam com os
olhos rasos de mar e as raízes do coração à flor da pele. Regressam porque é
preciso regressar.
Desfilam,
depois, a distância, orgulhosos da coragem de terem ido. Talvez ainda paguem
uma rodada no arraial. Talvez ainda deixem escapar uma palavra desconhecida que
comprove o seu saber feito de mundo. Talvez ainda tentem mostrar que, no longe
que fica atrás do mar, há coisas muito
outras, muito diferentes, coisas.
Regressam,
porém, pensando que vão partir outra vez. Porque o regresso do emigrante tem
sempre pendente o bilhete de ida. Mas, enquanto andam por aqui, vão emendando a
vida: basta o sorriso velho dos pais que ainda se sentam no terreiro, a ver a
noite cair; basta a carícia azul do mar que continua a lavar a alma; basta o
poema verde das serras a entrar, manso, pela janela adentro; basta o cheiro da
cidade para inebriar os sentidos.
Os emigrantes
regressam nas asas do verão. Vêm à procura do chão. Então, depois, com as
raízes mais fortes, partirão para olhar para o céu com os olhos lavados. Vêm
restaurar as asas. Então, depois, com as feridas tratadas, empreenderão voos
mais altos, no lugar para onde, certamente, terão de voltar.
De Graça Alves, in Jornal da Madeira de 28/7/2015
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