segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Boas Festas

Às portas da Festa, agradecemos a participação de todos os que acreditaram no nosso Projeto e no sonho de não deixar morrer as nossas memórias.
Estes são, portanto, os nossos votos:que, nas vossas casas, haja saúde, paz, alegria e que a Festa seja um tempo de retemperar as forças e de preparar o futuro.
Estaremos à vossa espera, em janeiro: contamos com as vossas histórias, com as cartas que guardaram de outros tempos, com documentos que nos possam continuar a ajudar a manter acesa a Memória da nossa Terra.
Um Natal Feliz e um Ano Novo cheio das maiores venturas.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

sobre saudades

 

DE LONGE, CHEGOU-NOS OUTRA MEMÓRIA DA FESTA...      Sempre que chega Dezembro e o Natal, sinto que a Madeira toda participa da alegria profunda deste banquete do nosso Deus … "Dir-se-á naquele dia: aí tendes o vosso Deus …".    (...) Essa exultação de alegria e vida que é o Natal, está incrustado no ADN de cada madeirense que por estas datas limpam e pintam as casas para acolher o Menino, montam-se os presépios e também a lapinha madeirense, num ritual de festa e alegria de família; fazem-se as broas e os licores, os bolos de mel e os doces para a festa de Natal, e para partilhar nas missas de Parto: "Virgem do Parto, ó Maria, Senhora da Conceição…". Até a Criação se engalana e se veste de festa na abundância de flores de orquídeas, de sapatinhos … dá vontade de dizer com o salmista "tudo canta e grita de alegria!". As missas de Parto, tão originais e penso que originárias da Madeira, iniciam-se a 15 de Dezembro e nos fazem memória dos nove meses de gravidez de Maria, missas em que se canta, se convive, se partilha a mesa da Eucaristia e, no fim, a mesa das iguarias que cada um traz: broas, licores, carne vinha-lhos, cacau … junto com cânticos, violas, castanholas, braguinha … enfim, uma explosão de alegria, de convívio e de partilha.     (...) Longe da Madeira, bate no coração a saudade do Natal na Madeira, que é vivido com tanto carinho e participação e que, para mim, como já disse, sempre teve esse sabor de banquete do Reino e da vitória da alegria, do bem e da bondade, que é a vitória do Emmanuel, o Deus-connosco.     Arantza Uriarte



 




 

 

 


 

 

 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

NA VIVENCIA DE UMA GUERRA, HOUVE NATAL... ( FIM)

O assalto (golpe de mão) deu-se em poucos minutos. Enquanto dois“turras” conseguiam fugir por entre a densa mata, outros sete jaziam no chão.Um deles, ao tentar fugir, foi baleado de rajada pelas nossas G3. Não sei explicar o que senti. Foi um misto de glória, qual atirador que atinge a sua presa, e ao mesmo tempo se sente como um Caim fugindo para o deserto…
Reuniu-se o pessoal. A “safra” fora excelente. Além da eliminação de sete elementos IN, apreendemos grande quantidade de munições, uma bazooka de fabrico chinês, três Kalashnikov, duas PPSH, uma Sterling e três HK21.
Regressámos de seguida, trazendo orgulhosos os troféus… Um milícia(tropa nativa) trazia, pendurada ao peito, a orelha de uma vítima que, no dizer dele, «Éle mató méu “errmao”»…
Pela manhã, chegados ao nosso aquartelamento a 24 de Dezembro desse longínquo, mas sempre presente 1970, fomos recebidos como heróis. Os nossos camaradas que, conjuntamente com milícias e GE (Grupos Especiais) ficaram aguardar o destacamento, davam tiros para o ar, ao mesmo tempo que a população vibrava em ritmos africanos…
Era véspera de Natal…
Ao chegar ao Posto Rádio, enviei mensagem para o comandante de Companhia dando conta do feliz “golpe de mão”.
À noite fizemos a Consoada. Não faltou o bacalhau com as batatas e umas couves regadas com azeite e vinagre. O “apoio logístico“, como se chamava ao tinto também não faltou. No meio da refeição, o alferes não se cansava de dizer: «Eu não disse que este ano seríamos nós a lhes darmos as Boas Festas?!…»
A meu lado, o cabo enfermeiro Faustino falava-me da sua noiva em Paço de Arcos… Eu, o único madeirense da Companhia, contava-lhe que na Madeira o Natal tinha o seu quê de típico: as missas do parto, o característico almoço de Natal com carne de vinho-e-alhos e milho frito, etc., os licores caseiros, o bolo de mel…
Já bem “aviado”, pegando numa garafa de “Constantino”, o alferes, órfão de pai e de mãe, aproximou-se do nosso recanto e, ao despejar uma boa dose de brandy, pediu: «Camacho, tu que andastes lá nos padres, canta uma canção de Natal para o pessoal… E tu também, Faustino. Olha, e aqui o Silvino que anda sempre a cantarolar… Cantem qualquer coisa de Natal. Hoje é noite de Natal!»
Fizemos a vontade. E até cantámos a duas vozes. Semi-ensaiados à pressa, entoámos o “Noite Feliz” de Franz Grüber. Não tivemos nem guitarra nem gaita de beiços. Só as nossas três vozes que silenciaram todo o pelotão…Enquanto uns, lutando pela sua liberdade, tinham morrido dois dias antes, nós festejávamos a nossa, celebrando com copos e lágrimas, o nosso estado de vida…
Saindo da cantina, com uma Nocal na mão, fui andando sozinho até junto do arame farpado. Parei, olhando o céu, onde as estrelas pareciam não ter brilho para mim nessa noite. Imaginava o que os meus familiares estariam a fazer… Como desejaria estar ao pé deles… enfim, e… aquela figura negra acair-me aos pés cravada de balas…
Ouvindo no transistor os Beatles, em “All you need is love”, o soldado que estava a fazer “reforço” no posto de abrigo perguntou: «Quem é o maricas que está para aí a chorar?… Oh! Logo vi, tinhas de ser tu, madeirense!»
— Toma, bebe tua cerveja… Vou-me deitar. Bom Natal!

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Em dezembro: Memórias da Festa

Estas são as nossas MEMÓRIAS, as Memórias das gentes que fazem a História... da Ilha.
[agradecemos a todos aqueles que têm feito parte deste projeto]
Boas Festas! https://app.box.com/s/bprxp9ve8nt0ym1677wy




quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

NA VIVENCIA DE UMA GUERRA, HOUVE NATAL... ( II)

No fundo, tínhamos medo, por vezes, de prosseguir estas dissertaçõesperante alguns soldados. Um havia que tinha fama de “bufo” e, curiosamente, um dia, fazendo gala dos dotes literários, o alferes declamou “O Mostrengo” de Fernando Pessoa, ao que o transmissões Camacho retorquiu com “O Menino de sua Mãe”, do mesmo poeta. O dito soldado mirando-os, estupefacto, andou o resto da comissão a olhar-lhes de soslaio. Talvez a suspeita não fosse errada. Viemos a saber, mais tarde, que ele, na vida civil, trabalhava numa barbearia na Calçadada Estrela, ali bem perto de São Bento…
Alferes Lourenço, passada a meia hora em que enfiei o “dolman” sobre o camuflado, o cinto com as cartucheiras bem municiadas, e meti o PRC-10 às costas, veio para o meio da parada aguardar o pessoal escolhido. O cabo vago-mestre não dava mãos a medir, distribuindo rações de combate para três dias… O pessoal questionava o que é que ia fazer. O olhar, entre angustiante e quase de negação em sair àquela hora, naquela quadra, deixava no ar um presságio de que algo nos iria correr mal. O alferes, à frente do pelotão, pede ao furriel Oliveira para dar voz de “firme, sentido”!
— Camaradas, tenho conhecimento de que o IN pretende vir estragar o nosso Natal, tal como o ano passado, quando estávamos no Sete. Lembram-se? Até canhão sem recuo eles utilizaram… Este ano, quem lhes vai dar as Boas Festas somos nós…
— Mas, meu alferes…
— Não quero ouvir  mais nada. Vamos embora e… calou…
E o pelotão lá saiu silencioso, cabisbaixo entreolhando-se e encomendando a alma a Deus, à Virgem de Fátima e a todos os Santos das devoções de cada um.
A noite, fria, trouxe em breve nuvens engras que cobriam o céu estrelado. O Cruzeiro do Sul deixou de irradiar a sua potente e bela luminosidade que torna as noites mágicas na savana africana. As bátegas da chuva tropical aumentaram copoiosamente, ao ponto de nos pôr completamente encharcados. No firmamento, os raios iluminam o céu de lés-a-lés, imprimindo cenas dantescas por entre os ramos esqueléticos das árvores da floresta. O ribombar constante dos trovões, ao compasso das nossas botas, por entre asfolhas no chão, empresta ao ambiente a atmosfera dum inferno que se aproxima… A noite alonga-se num caminhar constante em direcção ao objectivo. Já madrugada, parámos para retemperar forças. Após um cigarro fumado e de mais um questionar por entre a malta, do porquê daquela operação, foi dada ordem de avançar. O rio que, à nossa frente, nos separava da outra margem e que nos levaria ao acampamento dos guerrilheiros do MPLA, corria caudaloso, turvo, como que a nos querer dizer das dificuldades que teríamos que enfrentar. Em “bicha depirilau”, lá conseguimos atravessá-lo a vau, vencendo a torrente que nos impelia para jusante. Feita a recolha, prosseguimos o itinerário que o alferes jamais nos referiria.
Sabendo das minhas obrigações de operador de transmissões, em fazerQTR diário, dirigi-me ao alferes perguntando-lhe como justificaria a minha ausência no “ar”. Resposta pronta:
— O rádio avariou…
— E a caminhada prosseguiu, ora por entre o capim, ora por entre a savana…
Na manhã do terceiro dia, 22 de Dezembro, acordámos aos sons do“kisenje”. Arrepiei-me todo, e penso que todo o pelotão, a julgar pelas expressões de toda a malta. Nos olhos do alferes Lourenço, um brilho misturado de vitória, de ansiedade e de ódio, expressou-se nas palavras: «Merda! Somos ou não somos o batalhão “Leões do Leste”? Somos ou não somos o pelotão “Tigres”? Vamos lixá-los…»
Não sei porquê, mas, nessa como noutras alturas esquecemo-nos de tudo e de todos. Sei que pensei em Deus, na minha mãe, na minha namorada e…
( continua...)

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

NA VIVÊNCIA DE UMA GUERRA, HOUVE NATAL...

Paulo Gilberto Camacho enviou-nos este texto contando acerca de um grupo de jovens militares que viveu a quadra natalícia longe de casa ... alhures no meio de África .... atolados de saudades e recordações ...



Eram cerca das 21 horas de 20 de Dezembro de 1970, quando, em todo o aquartelamento do Sessa,no Leste de Angola, a maioria dos militares se entregava à escrita dos últimos “bate-estradas” a desejar Boas Festas à família, à namorada, à madrinha de guerra ou, ainda, aos amigos que deixaram no “Puto” (Portugal Metropolitano).Outros entretinham-se na velha palhota, o nosso “snack-bar, a jogar à lerpa ou às copas, acompanhados das inseparáveis Cuca ou Nocal…

No Posto Rádio, o operador de transmissões Camacho acabara de dar por terminado o QTR das 21h00. Retirando os auscultadores e, ao rodar na cadeira improvisada em grade de cerveja, deparou-se com o ar circunspecto do alferes Lourenço a olhar para todo o material disponível e operacional de transmissões. Ele sabia o operador que tinha no pelotão. Era um indivíduo muito minucioso, muito cioso na manutenção do material de radio. Fazia gala de dizer que o “transmissões” era o anjo da guarda da tropa…

—    Boa noite, meu alferes. Apetece-lhe uma Nocal?…

Indiferente ao convite, com ar carregado, perguntou:

— Camacho, o material rádio está todo OP a sair para a mata?

— Como sempre, meu alferes, porquê?

— Quero-te pronto, dentro de meia hora porque vamos sair por dois, três ou mais dias…

— Sair? Mas não recebemos nenhuma mensagem para tal, nem tão pouco o PAO (Plano de Actividades Operacionais) tem agendada alguma acção para esta data!…

— Prepara-te. Vou informar outros. Silêncio absoluto. Sabes, os “cabrões” como no ano passado, devem querer dar-nos as “Boas Festas”. Este ano, quem lhas vai dar somos nós…

— Está louco? Nesta altura, em época de Natal, ir para a mata à caçados “turras“ por capricho seu? Já pensou na reacção do resto da malta? Jáviu que se algum de nós “lerpa” o problema de consciência que você vai ter?…

— Daqui a meia hora quero-te pronto. — E seguiu rumo ao nosso “snack” e à caserna, seleccionando o pessoal.

A confiança de diálogo entre os dois permitia, por vezes, que se esquecessem patentes e que falassem num tu a tu. Os serões de ambos eram passados a dissertar sobre filosofia, sobre o mundo actual, sobre a leitura de clássicos portugueses e estrangeiros, bem como dos escritores de então. Quase sempre terminavam o diálogo questionando-se do porquê daquela guerra, porquanto tempo ela iria aguentar, das razões que a fizeram e a mantinham. Havia sempre um misto de orgulho de um dever que estavam a cumprir e de uma revolta latente a lhes dizer estarem ali a defenderem as costas de determinados senhores e não o Império.

( continua...)

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

as [nossas] lapinhas .....


 
(…) – dispôr nos recôncavos da “rocha” os pastorinhos de barro, colocar os pequenos candelabros de estanho com as velas de côr, ao alto, e cá em baixo, junto à boca da furna que simboliza a choça de Belém, entremear as “searas” com as jarras de junquilhos, pregar o alegra-campo pelas paredes, e pôr em fileira, no contorno da mesa do presépio, as maças, laranjas e peras pardas, de cujos intervalos pendem as “cabrinhas”…

J.  Reis Gomes, 1935, Natais : contos e narrativas, p.69


Estamos à espera das vossas fotos!!!

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Por ser dezembro...

Em todas as casas, por esta altura, já se prepara a Festa.
Na memória das gentes que fazem a história, na nossa memória, portanto, há uma imagem destas... que nos traz - de um passado que não deixamos morrer - um cheiro a pomares de peros e de tangerinas, a lembrança de uma arca onde o pão se resguarda do tempo, a alvura de uma toalha de linho que as avós bordaram, um novo vestido para o Menino Jesus que protege as escadinhas e as searas e os licores e as broas e a alma de uma ilha que, por estas alturas - e por ser dezembro - se veste de alegria.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

os dias da festa ....

Assim escrevia Maria da Conceição para Francisco dos Santos emigrado no Curaçau


Lugar de Baixo 21 de Janeiro de 1920



(...) Meu adorado marido eu recebi a tua estimada e desejada carta na oitava do meio estimei muito em saber as tuas notícias e não calculas a minha alegria parece que enlouqueço de contentamento quando recebo carta tua, pois em dia de festa todo dia chorei por ti apezar de nada me ter faltado para esse dia mas não tive alegria porque senti muito a tua falta porque o cantinho que tu ocupavas na meza estava vazio (...) João veio passar os 3 dias da festa, veio na véspera à noite e foi na última oitava de manhã, elle trouxe-me tanta coisa e ofereceu-me 25$000 e matamos a ovelha (...) o teu irmão Henrique mandou-me uma bonita oferta de carne de porco e tua mãe também me mandou 2 bocados e a mulher do teu irmão João também me trouxe um bocado...

 

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

... vieram da Guiné ...


O que se traz da guerra? Mágoas? Tristezas? Traumas? E uma vontade férrea de querer apagar da memória um intervalo da vida? Ou, pelo contrário,  pedaços de uma terra quente, imensa, distante, por vezes hostil mas também inesquecível?

Chegou-nos uma coleção de postais. Vieram pelas mãos de Jorge Trindade. Vieram da Guiné.
Há mais?

Aceite o nosso desafio!!! Abra as gavetas e partilhe connosco as suas memórias!






segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Tita (o Pescador)

Chegou às nossas mãos mais uma narrativa das muitas que compõem a vida de uma pessoa. Augusto está na Austrália e é de lá que nos manda Memórias....

 
Meu Avô  
Falar de meu avô é começar a escrever a minha infância, desde os meus 2 anos de idade. Naquela época, era muito importante as moças casarem virgens e era contra tudo casar grávida. Isto aconteceu com a minha mãe e meu avô pô-la no meio da rua. Apesar dos protestos da minha avó, a minha mãe foi morar com a mãe e as irmãs de meu pai - as LOURAS, como todos lhes chamavam.

O TITA nunca mais quis ver a filha e o neto. Até um dia ... Já eu gatinhava, quando a minha avó me levou a casa dela. Começou fazendo um berreiro com Virginia, a minha avó, mas se acalmou quando viu o menino subir pelas pernas dele. Começou aí a minha infância com meu avô. Dizia minha mãe que ele tinha uma loucura por mim, e começou a aceitar a filha. Andava nas ruas a mostrar o seu neto.

Levava-me de canoa, a passear e ao cinema (...) ver filmes mudos, do Charles Chaplin, que eu gostava muito. Era proibido levar crianças à noite ,mas meu avô escondia-me dentro um longo capote de inverno e o porteiro não dava por isso. Até um dia, até  que quando começou o cinema sonoro ... e as coisas se tornaram pretas. Eu já sabia ler, graças a minha tia Luisa que, com os seus romances, me tornou um viciado na leitura e gastava muito petróleo à minha avó, pois naquele tempo não havia luz elétrica. Então, durante o filme, começava a ler as legendas, em murmúrio mas alguém ouvia e gritava :
- tem criança aqui dentro.
E paravam o filme , pobre porteiro procurando o fedelho, e era uma confusão total, mas o TITA conseguia acalmar a malta e o filme prosseguia.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Aventuras...

Entre memórias de mar e de juventudes, encontrámos um voo.






Estávamos em 1935. Do ponto mais alto do Ilhéu da Pontinha, Carlos Gonçalves ensaia um voo. Nessa queda de quase 35 metros, o desportista é um pássaro e dá um sentido novo a palavras como coragem, liberdade, desafio.
No Forte da Senhora da Conceição, uma prancha dá o impulso para o longe do mar... 
O registo deste salto - que o Sr. Victor Caires guardou religiosamente - marca para sempre um momento em que, na Madeira, no Porto do Funchal, um homem ganhou asas e voou.




segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Adolescência irreverente

Parte IV.
 

Quem mais costumava ir ao Teatro eram os simpatizantes do Corvo que tinham maior poder económico, mas nesse dia, mal terminou o encontro, muitos desapareceram irritados. Os jogadores e dirigentes do Arsenal chegaram ao Teatro roucos, foram aclamados e ovacionados que até parecia não haver outras cores ali dentro. O Arsenal ganhou no mesmo dia três taças: Simpatia, votada com os bilhetes no Teatro, Torneio e porque marcara mais um golo do que o Corvo durante a época, recebeu o respectivo troféu.

Foi uma noite plena de emoções, alegre e feliz.

Terminada a festa, descemos a pé em cantoria e não sentimos o caminho.

Ao chegar a casa por volta das dez horas da noite fui recebida com uma surpresa. A minha mãe estava atrás da porta e sem mais qualquer conversa deu-me duas vergastadas com uma cepa de videira dizendo: “Toma lá que é para saberes que não te autorizei a ires ao teatro. Ainda és muito nova para tomares decisões. Se tivesses vindo a casa podias levar a tua irmã.”

Sabendo que se tivesse ido para casa não voltaria a sair, apesar de combalida e ferida no meu orgulho, continuei feliz, porque a festa e a alegria foram superiores à mazela.

A minha irreverência deixou marca, tentei imitar alguns jovens da minha idade que gozavam de uma certa liberdade, mas o meu atrevimento foi mal sucedido e envergonhada com a marca nas pernas, não saí de casa durante uma semana. Foi a única vez que recordo ter apanhado com uma vergasta.       

No dia seguinte fiquei a saber que havia um bouquet para entregar ao vencedor, mas como não ganhara o Corvo, as flores apareceram estragadas atrás de um camião.  

E como há sempre um poeta em cada canto, também aqui houve alguém que improvisou umas quadras alusivas ao acontecimento e as fez distribuir nas casas dos dirigentes e aficionados do Clube adversário.

Diziam assim:

 
                                  E numa tristeza insana

                                  Na cabeça tantas dores,      

                                  Com beiças e muita gana

                                  Estragaram as flores.

 

                                  Tudo estava preparado

                                  Festa, sandes e canjinha

                                  Mas o ovo foi contado

                                  No traseiro da galinha.

 

                                 E sem esquecer os heróis do acontecimento:

 

                                  Com Almeida e grande Elias                           

                                  Um Fernando e um Garcês

                                  Não vale a pena arrelias

                                  Pois perdem p/ra outra vez.
 

                                                            

 
 
 
 
 

                                                   
  Teresa Valério

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Adolescência Irreverente - parte III

Esta é a penúltima parte desta estória da história de Teresa Valério:

Já tinha eu dezasseis anos, pedi à minha mãe para me fazer sócia do clube da minha simpatia, o que mereceu a sua concordância. Quando me fui inscrever, convidaram-me para a festa da inauguração da sede. Aproveitando o forno de uma vizinha que amassara pão, fiz um bolo de laranja para levar e prontifiquei-me a colaborar nos serviços, como o fizeram outras simpatizantes. Sendo habituada a servir na casa de chá das festas da Vila e do Rosário, tinha alguma experiência do assunto e tudo decorreu com normalidade.

Em meados de Setembro, estava a ser preparado com entusiasmo um grande torneio a fim de ser encontrado o campeão da época. Para maior animação fora convidado o grupo da Ribeira Brava que costumava levar uma enorme claque. A animação aumentava por toda a freguesia, onde rapazes e raparigas preparavam faixas, bandeiras, chocalhos e pandeiretas para terminar em festa e em beleza. O que ninguém estaria à espera e causou grande surpresa e descontentamento a muitos jovens foi o agendamento de uma novena no Pico da Cova, no mesmo dia do torneio. A Capela Torre ali erigida, dedicada a Nossa Senhora de Fátima foi construída para agradecer o fim da Segunda Guerra Mundial e inaugurada poucos anos antes. Muitos eram os emigrantes que mandavam celebrar novenas em honra de Nossa Senhora naquele local implorando a Sua ajuda e pedindo protecção, algumas com pompa e circunstância, caso desse dia.

Eu, conhecia o sentimento da minha mãe e sabia que a sua decisão seria - primeiro a novena,- embora ela, por motivos de saúde não se deslocasse à capela que ficava a cerca de uma hora de caminho a pé. Conformada, e porque tinha ainda na memória o acontecido umas semanas antes, embora contrariada, aceitei o veredicto.

Com muita mágoa naquele dia, em vez de descer para o Calhau, tive de subir até ao Pico. Durante a celebração ouvia os foguetes lá ao fundo e ficava em sobressalto. Sabendo que o Arsenal naqueles encontros costumava claudicar, só podia ser o Corvo a fazer a festa, o meu cérebro rodopiava e ainda hoje me sentencio pela pouca atenção prestada.

Terminada a cerimónia, descemos o pico numa correria e mal chegamos ao Laranjal já um grupo de jovens chegava em algazarra, animados com apitos e bandeiras do Arsenal. Eu nem queria acreditar… O Meu clube do coração tinha ganho ao Corvo por dois a zero, em terceiro lugar ficara o Botafogo.

Nessa mesma tarde havia um espectáculo no Teatro Gil Vicente nas Feiteiras, onde iriam atribuir uma outra taça- Simpatia- com os bilhetes da entrada a servirem de voto. Eufórica, imaginei nova aventura e logo enviei a minha irmã para casa com umas vizinhas pedindo que levassem o recado à minha mãe. Fiquei com outra amiga e a passo largo subimos a vereda da Corrida das Feiteiras que ia sair junto ao dito Teatro. Num ápice lá estávamos. A alegria do reencontro com simpatizantes em delírio foi tão emocionante que nos abraçámos e chorámos. O bilhete custava um escudo, a Leonor comprou os dois para eu pagar quando pudesse. Junto à porta encontravam-se três caixas grandes, cada qual com o emblema do Clube em que devíamos votar, na caixa do Arsenal colocamos o couto do bilhete e entramos cedo para conseguir um bom lugar. Subimos para o balcão ainda com muitos lugares à escolha, mas dispensamos, porque só de pé é que nos apetecia estar.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

ADOLESCENCIA IRREVERENTE - PARTE II

Parte II
[continuação da narrativa de Teresa Valério]


Um dia, no princípio de Agosto, o árbitro chegou atrasado e o jogo começou bem mais tarde. Tudo decorria num clima de suspense sem que alguém imaginasse quem iria sair vencedor uma vez que o empate entre o Corvo e o Arsenal se mantinha já o jogo se aproximava do final. A minha irmã e eu protelamos a saída para rejubilar com a façanha dos azuis e branco, preferido de ambas, que apesar de não ser favorito estava a dar boa réplica de si, superando todas as expectativas. A cada minuto olhava o relógio, desejando que o tempo parasse até terminar a partida. Feliz porque o resultado não se alterou, mal o jogo terminou, fomos a correr até à Vila, entrando na igreja num estado de quase sufoco. Colocamo-nos uma de cada lado da mãe como de costume, imaginando que ficaria aliviada com a nossa chegada apesar de a novena estar quase a terminar. Ainda ofegantes, fomos surpreendidas, com um beliscão, uma no braço direito a outra no esquerdo, que aceitamos resignadas. Se fosse apenas isso já não era nada mau. Pior seria se no domingo seguinte ficássemos privadas de ir assistir ao jogo, nossa única distracção estival, pois já se falava na ida de uma equipa de Câmara de Lobos que sendo de um nível superior, daria um bom espectáculo. Estávamos por isso curiosas, mas ansiosas com o desenrolar dos acontecimentos. Esses jogos que nos deliciavam eram para eles um prémio pela classificação alcançada na temporada desportiva. Todos sabiam que, indo ao Norte jogar, tinham a garantia de um belo passeio, farra e jantarada.

Ao regressarmos na companhia de vizinhos, não vislumbrei qualquer animosidade e aproveitei para trocar olhares interrogatórios com a minha irmã, pois com os problemas que a minha mãe tinha na vista dificilmente descortinava os nossos trejeitos. O maior receio estava agora na chegada a casa. Felizmente a visita surpresa da minha avó materna que vivia nos Lameiros, um sítio distante, trouxe alegria à minha mãe e fez esquecer no momento a nossa prevaricação.

Sendo eu a mais velha teria de dar o exemplo, por isso, sempre atenta à minha irmã para não fazer asneiras, tentei que durante a semana as coisas corressem bem de modo a não sermos prejudicadas.

A partir desse dia, pareceu-nos ter havido uma mudança de página, pois continuamos a ir ao futebol, o senhor vigário deu folga nas novenas até ao fim do mês e passaram-se dois domingos sem mais ninguém falar do assunto, aquele episódio torturante que pairou no ar durante algum tempo, fora votado ao esquecimento.  

Andava orgulhosa do meu Arsenal que fazia acentuados progressos. Embora mais comedido nos últimos jogos, dentro de campo todo o grupo ia portando-se bem e já pouca diferença fazia do seu maior adversário, o Corvo, que até ali era considerado o clube mais forte porque ganhara mais vezes, tinha uma claque de elite, mais associados e adeptos mais endinheirados.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

ADOLESCENCIA IRREVERENTE - PARTE I

Começaram a chegar pedaços de vidas. São narrativas, memórias, saudades... 
Teresa Valério, natural de São Vicente, mandou-nos 
 
  Adolescência Irreverente

 Talvez acorde as lembranças de outras pessoas. As suas, por exemplo.


Parte 1

Os primeiros anos da década de cinquenta no século XX foram férteis em momentos de lazer e actividades desportivas que trouxeram um certo burburinho ao Norte da Ilha, onde um grupo de amigos, dando azo à sua imaginação, se lançou a convidar e orientar rapazes com alguma aptidão para o futebol. São Vicente era ponto estratégico por ser equidistante das duas freguesias vizinhas, Ponta Delgada e Seixal, ponto de passagem obrigatória para aquelas localidades. Sendo um lugar aprazível, começou por haver aos domingos um ponto de encontro que animava os muitos jovens ali residentes em particular, mas toda a população em geral.

O futebol dava assim os primeiros passos naquela região. Para maior animação fundaram três clubes e para poder praticá-lo com regularidade deitaram mãos à obra construindo um campo com dimensões mínimas no Calhau à esquerda da foz da Ribeira, paralelo ao caminho que seguia para o Seixal, em plena orla marítima rodeado das pedras arredondadas e lisas que muitas vezes serviram de assentos.

O Botafogo integrava no seu plantel apenas jovens do sítio da Fajã da Areia, contava com a colaboração de emigrantes no Brasil orgulhosos e saudosos da sua terra que enviaram material e equipamento verde e amarelo, alem de colaborarem com algumas verbas para a sua manutenção. O Corvo, nome da ave que segundo a tradição, esteve vários dias a guardar o corpo do santo padroeiro, vestia de preto e vermelho. O Arsenal equipava-se de azul e branco. Todos mantinham entre si uma normal rivalidade, mas o Corvo e o Arsenal que recrutavam jogadores de toda a freguesia, a adversidade era mais acentuada especialmente entre os adeptos que discutiam muito, por vezes amuavam, chegando ao ponto do corte de relações.  

 
Todos os domingos de Verão o Calhau vivia momentos de muita animação atingindo por vezes a euforia transformando-se num autêntico arraial. Quando organizavam torneios por norma convidavam os jovens da Ribeira Brava e como bons anfitriões não faltavam os agradáveis convívios que culminavam em agitado alvoroço na Vila pela noite fora.

Os dois maiores clubes do Funchal tinham um acordo de cavalheiros e colaboravam enviando os seus jogadores para ensinarem as regras, técnicas e truques, aproveitando o ensejo para fazerem o seu jogo-treino semanal. O Marítimo dava apoio ao Corvo, enquanto o Nacional ajudava o Arsenal, daí que a minha simpatia pelos alvinegros tenha surgido nessa altura em plena adolescência.

Vivendo eu no sítio da Terra-chã, sobranceiro ao Calhau, tinha autorização para assistir aos jogos se acompanhada com determinadas amigas, mas condicionada a participar na novena que aos domingos era celebrada na igreja paroquial.

Um dia ...

[ quarta-feira continuamos...]

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

MALAS...


 

Dentro delas, cabe um mundo. Dentro delas, cabe a esperança e a saudade. Dentro delas, cabem sonhos e desilusões. Cabe o nada que é preciso preencher. Cabe o passado e o futuro.

Nas nossas mãos, guardadas como relíquias, estão estas duas recordações: uma, de porão, guardou angústias e medos, mas também presenças e afetos, num tempo em que os rapazes iam para a Guerra

 

                                             Mala de porão pertencente a Leonel Martinho Nóbrega 

   a outra, de cartão, levou o vazio e as ausências de um rapaz de 12 anos rumo à África do Sul,  à procura da vida e da paz, num tempo em que muitos rapazes-meninos fugiam da Guerra.

 
 
Mala de cartão pertencente a Manuel Alexandre da Costa

 

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Primeira viagem [ estórias de uma narrativa de vida]


Nos meados de 1952,trabalhava eu como aprendiz de desenhador, na fabrica Patrício e Gouveia. Tinha 16 anos. Era escuteiro, como eram os meus amigos de infância.

Nestes tempos nós não tínhamos televisão, o rádio ouvíamos muito mal, com muito ruídos.

A nossa diversão eram os livros, que eram devorados em poucos dias, as nossas praias belas e rochosas, onde passávamos a maior parte do tempo. E as caminhadas nas maravilhosas serras e acampamentos, onde dormíamos debaixo das estrelas.

Recordando agora, éramos bem mais felizes do que a mocidade de hoje. Tinha eu, como passatempo, escrever cartas para amigos no Continente e estrangeiro, e trocávamos postais e fotografias.

Nesse ano,  havia um acampamento nacional dos escuteiros em Coimbra.  Pedi ao meu pai que me deixasse ir e, ao mesmo tempo, fazer umas férias na casa  do meu amigo e correspondente, José Carlos da Fonseca  que vivia  em Vila Nova de Famalicão. Vila muito pequena,  nessa altura.

Ele  morava com o pai , a mãe, e a única irmã, mais velha. Embarquei no navio Vera cruz . Muito preocupado, o  meu pai pediu a um casal de amigos que ia para Lisboa na mesma viagem, para olhar por mim, como também a um empregado de bordo que era barman no navio .

Durante a viagem o barman viu que eu ficava a olhar um velhinho, que ficava numa cadeira no convés,  embrulhado numa manta que  lia o tempo todo e disse-me:

- Menino,  o senhor que está ali é o famoso Almirante Gago Coutinho.

Chegando a Lisboa, foi um mundo novo que se abriu para mim: comboios, elétricos,  arranha-céus ,etc. Apanhei o comboio para o Porto. Durante a viagem, no comboio, eu levava alguns presentes para o Carlos e para a família.  Entre estes,  ia um grande cacho de bananas, o qual chamou a atenção de alguns passageiros, que começaram a perguntar quem era o dono das ditas bananas. Eu,  pequeno e franzino,  respondi que era meu, mas que não era para vender.

Cheguei à estação de Campanhã,  no Porto e, para a minha aflição,  não encontrei ninguém me esperando. Quem me salvou foi um jovem  que notou que eu usava um distintivo de escuteiro e, porque ia demorar  o próximo comboio para Famalicão, se ofereceu para levar-me a sua casa para lanchar. 

A senhora sua mãe deliciou-nos com o mais  rico lanche que já tinha tido: bolinhos de bacalhau, rissóis de carne, de galinha etc.

Eu estava muito desconfiado devido ao facto de meu pai me ter dito que tivesse cuidado com os continentais.

Segui para Famalicão, e tive o mais belo tempo da minha vida. Conhecendo o meu amigo, a sua mãe, pai e irmã e as suas comidas  e hábitos como também a vila, pela qual,  depois deste tempo, continuo enamorado.

Depois de 3 semanas no Norte, continuei para a bela cidade de Coimbra, onde  me encontrei com os meus escuteiros do grupo 88 do Socorro. Vim de volta no navio  Serpa Pinto que me deixou no Funchal.

 

Augusto Sousa   Melbourne, 03 Novembro de 2013
 
 

 

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

MEU PADRINHO - O JUANICO


DESTA VEZ, O TEXTO NÃO É NOSSO. FOI-NOS ENVIADO POR MAIL, COMO REAÇÃO À NEWSLETTER Nº 10, PUBLICADA NO POST ANTERIOR.
 
 
Nasci na madrugada chuvosa e fria de 5 de Dezembro 1935 . Fui o primeiro filho de Mariazinha, como todos a chamavam. A minha mãe era filha da Virginia ( A Botica ) e de José (O Tita ). Meu pai, o Augusto, era mais conhecido como “O Quanza”.
 
Houve problemas com o parto, como era costume nesses dias, e eu vim ao mundo quase morrendo. A minha Avó, correndo, me levou, embrulhado num xaile, até à igreja de Nossa Senhora do Socorro, acordando o bondoso padre Laurindo. Lá foram até a igreja, minha Avó, explicando a urgência do Batizado. Ele perguntou, então, onde estavam os padrinhos.
Botica lhe respondeu, chorando, que não sabia que preciso naquelas circunstâncias. Responde-lhe o padre: - A madrinha pode ser Nossa Senhora do Socorro, mas precisamos de um padrinho. Botica, aflita, correu para o adro da igreja, com a esperança de que alguma alma caridosa aparecesse . Algum tempo depois, já perdendo a esperança, viu que, lá longe, vinha um homem alto e forte que ela reconheceu.
 
- Juanico,  vem salvar meu neto que está morrendo e precisa ser Batizado.
Ele logo disse que sim e eu, o seu neto Antoninho, fui Batizado com todas as bênçãos.
Anos mais tarde, com 5 ou 6 anos de idade, via meu padrinho Juanico, que era como nós o chamávamos. Como era costume naqueles tempos, pedia-lhe:
 
- Padrinho a sua bênção,
e lá vinha uma moedinha. Mas o melhor eram as histórias que me contava, Ilhas maravilhosas, cobertas de praias de areias douradas, sereias lindas, Baleias do tamanho de um Vapor, papagaios que falavam e outras coisas que me deixavam a sonhar acordado. Hoje, muitas vezes, voltando ao passado, continuo a ver este homem, alto e esbelto como um gentleman.

Augusto Sousa

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Newsletter

Há histórias de gente que o tempo guardou... Esta, por exemplo, a do Juanico: o homem do mar, o bomboteiro, o Homem, o galã....

Vale a pena espreitar. https://app.box.com/s/v8cf1zyjur22js8o8jhh

terça-feira, 29 de outubro de 2013

entre cá e lá ......

Maria da Conceição ficou em casa no Lugar de Baixo, Ponta do Sol. Francisco partiu para o Curaçau. Entre cá e lá a vida vai correndo dorida pelas saudades ...


os nossos filhinhos me fazem tonta com perguntas a teu respeito. O Fernando já diz pae, o Clemente ajuda-me a trabalhar mas às vezes também chora para não hir e o Luiz  traz os molhinhos de herva à cabeça. (CEHA- Arquivo memórias: carta de 19 novembro 1929)
 
…também te dou a saber que teu irmão ficou dentro não ficou livre o pobre do teu pai trabalha que mete dó a tratar de a sua vaca e a d’elle e regar cavar tratar de porcos rachar lenha e fazer todo o serviço e elle coitado anda sempre doente (…) é cramar que não encherga nada que conhece as pessoas é pela fala porque não tem um tabaquinho … (CEHA- Arquivo memórias: carta de 16 junho 1930)
 
…o teu irmão José falou à Ilda do Andrade pra casar andou lá de noite e dia mas os amores duraram pouco porque elle já a largou enfastiou-se d’ella (CEHA- Arquivo memórias: carta de 21 janeiro 1920)

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Mobilidades e identidades [uma nota-relato]

Com que linhas se tece a história das Mobilidades Humanas?
Ao longo destes dois dias, pensámos nestas coisas de "ires" e de "vires", pensámos, no CEHA,  na forma como as mobilidades nos modificam e alteram os nossos olhares.
Por aqui passaram investigadores de áreas diferentes, estudantes, professores que partilharam saberes, que acenderam debates, que ajudaram a refletir sobre quem somos, sobre a forma como percecionamos o mundo e os outros.
No auditório do CEHA, contámos com duas conferências: Migrações enquanto processo de transformação de vida  e Mobilidades - marcas públicas de uma redefinição identitária e com um conjunto de comunicações organizadas em três eixos: Identidade, imaginário e viagem; Identidade, escrita e memóriaIdentidade, migração e cidadania.
Contámos com a participação de um público muito eclético que partilhou experiências, que desencadeou outros debates.
Na memória da ilha, há muitas mobilidades. Na memória de cada madeirense, há despedidas e barcos, num Porto que quisemos associar a este Colóquio, enquanto Evocação do Centenário da Junta Autónoma das Obras do Porto Funchal; há partidas e há chegadas, há países onde se acredita que a vida é melhor do que aqui e há a guerra colonial que obrigou a muitas saídas e alterou identidades.
Neste Colóquio, o futuro. E o passado. Este que o Sr. Martinho nos trouxe, devidamente organizado.



Neste colóquio, o presente, um contributo. O nosso.

sábado, 19 de outubro de 2013

Colóquio Mobilidades e Identidades

Segunda e Terça-feira, dias 21 e 22 de outubro, o tempo é também de Memórias das Gentes. No auditório do CEHA, vamos ouvir falar de mobilidades e de identidade.
Quem parte volta diferente?
O que se procura quando a nossa decisão é de IR?
O que muda na forma de ver o mundo?

E quem chega? O que (nos) traz?

Falar de mobilidades vai ser falar de nós, da nossa foram de ser ilha, ou continente; do nosso modo de enfrentar o passado para entender o futuro.
Neste colóquio, estará presente a sua história de vida. Apresentaremos dois estudos de caso, de entre os muitos que nos foram chegando, entre malas e papéis que o tempo deixou pousar e que agora....
Contamos consigo! Vamos debater uma parte de quem somos.
A entrada em livre. Estaremos lá para o receber!

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

PRIMEIRA VIAGEM

A minha primeira viagem [Por Trindade Melim]
 
A noite, tinha sido calma, céu limpo e o vento não se fez sentir, ouvi os sapos e os grilos, a ansiedade tinha-se apoderado da minha alma, não tinha conseguido dormir. As horas passavam e no silencio da escuridão conseguia contar as vezes que o velho despertador fez tic tac, tinha alarme marcado do dia anterior para as oito horas da matina. Era preciso arrumar o resto da mala para a viajem até a ilha da madeira, o lanche para a viajem e mais uns casaquinhos não fosse fazer frio, íamos de viajem para a cidade. A minha mãe ia ao médico para trocar os óculos, lentes e aros, tinha eu oito anos de idade. Imaginei dias antes, como seria andar nas ruas movimentadas de gente e “Abelhas”. No Porto Santo os carros eram contados pelos dedos, o Sr. Professor e o homem de negócios tinham uma viatura, as outras que circulavam pelas estradas da ilha dourada, eram táxis de cor preta e verde que por costume chamávamos de “abelhas”. Como seriam as da cidade? Iguais…? Diferentes…?. Pensei que iria comer bolos e beber laranjada, deliciava-me só de imaginar a dar dentadinhas pequenas para fazer render o gosto, num bolo de arroz, não me faltaram súbitas ideias para matar o gosto da novidade que iria viver. Onze horas, eu e minha mãe chegamos ao cais da Vila Baleira e fomos ao encontro do meu Pai na altura tripulante de um cargueiro chamado Arriaga, comandado pelo então Arrais Paulino, homem calejado no mar, alto e robusto pendia uma das pálpebras de um dos olhos, que me fazia lembrar os tempos antigos dos piratas, tinha sofrido em tempos idos alguma maleita que lhe deixava o olho entre aberto quando olhava para nós. Meu pai, aproximou-se e disse-nos “…vamos para bordo, que hoje sairemos mais cedo, as uvas, a cal e a água já estão a bordo…” assim o fizemos. A bordo o meu pai esmerava-se em nos explicar como haveríamos de passar a viagem na câmara do barco (compartimento localizado no convés da embarcação de formato rectangular paralelo as bordas do barco e com uma altura útil que não permitia as pessoas adultas andar de pé) era ali que iriamos passar as quatro horas de viagem até a ilha da madeira se por acaso fizesse mau tempo no mar, coisa que acabou por não acontecer. O barco zarpou perto as treze horas com bom tempo, durante a viagem meu Pai trouxe uns alguidares pequenos de plástico com cores diferentes, amarelos verdes azuis e vermelhos, a cor não tinha qualquer significado mas o fim a que se destinavam sim…era naqueles pequenos alguidares que as pessoas quando passavam mal a viagem iriam vomitar, depois um dos tripulantes, recolhia-os e despejava no mar, de seguida lançava ao mar um balde que recolhia água salgada e lavava-os para novamente voltarem para junto dos passageiros. Mesmo com o mar bom, a minha mãe fraca de estômago para estas andanças, sentiu-se mal disposta e lá teve que usar o seu alguidar. Eu, fiz a viagem a explorar o barco, ora na câmara ora perto do posto de comando que era na altura um leme comandado manualmente para bombordo e estibordo com um ferro em geito de foice que lhe davam o nome de “cana de leme”. Quis experimentar a levar o barco quando meu pai comandava, ele fez-me a vontade e para me ensinar como deve ser colocou a mão dele em cima da minha para que eu pudesse decorar os movimentos certos a dar conforme o mar ia alterando a rota. Adorei tanto que nas viagens seguintes era ali o meu posto, agarrado a cana de leme sempre que me deixavam. Chegados á Cidade, o cheiro que pairava no ar da da Pontinha era algo fora do que eu estava habituado, cheirava a peixe e óleo, quase próximo ao que tinha cheirado durante a viagem perto dos passageiros que vomitavam por má disposição durante a viagem. Desembarcamos, fomos para “dentro” como era comum dizer-se na gíria das gentes do mar. Meu pai levou-nos a comer uma sandes de carne vinho e alhos a uma tasquinha perto do Cais Regional, a fome provocada pela maresia durante a viagem era tanta que em “ menos de um fósforo “ comi-a sem quase sentir os nacos de carne, passarem pela “ goela “…bebi uma laranjada que fez-me vir ao nariz o gás e de seguida provocou o tão esperado arroto… morta a fome, era altura de irmos para uma pensão porque só no dia seguinte é que a minha mãe tinha a dita consulta. Na pensão e já no quarto, deitei-me e dormi a noite toda, porque a minha alma estava descansada por ter chegado ao destino e que no dia seguinte haveria coisas novas para ver. Esta viagem foi a primeira de muitas neste tipo de embarcação, onde algumas delas, foram mais bem vividas, devido ao facto de estar a lidar com algo com mais experiencia e mais idade.
 
 
2º PARTE- A MINHA 1º VIAGEM UM DIA NA CIDADE Acordei era manha, o barulho dos carros e das pessoas juntas não me deixara dormir mais. A Pensão Familiar, localizada na rua da Alfândega, muito próximo onde é hoje as portas da cidade foi o sitio onde passáramos a noite sossegada. A azafama para muitos na rua tinha iniciado muito cedo, da janela que pairava para a rua principal, via gentes nunca antes vistas por mim e imaginava como seria o mundo se só houvesse uma terra e um mar, em que todos estariam juntos e pertinho uns dos outros como via ali bem por baixo dos meus olhos azuis, seriamos como aquela multidão que via na rua…?ainda hoje, quando vejo uma rua apinhada de gente gosto de pensar nesse meu pensamento de infância. Senti a porta bater, e desde logo apercebi-me que pelos passos era meu Pai que ao entrar, disse com voz carregada de tom de comando…” tá levantar… é já dia alto e temos que nos despachar para a consulta...vamos passar na padaria, comer alguma coisa e marchar…” ouvindo estas palavras não me fiz tardar e disse estar pronto para irmos. Descemos as escadas em direcção á padaria que ficava no rés-do-chão do edifício da Pensão, para comprar pão branco, fofo e grande, era demais para mim…, aquele pão, só o comia em dias lembrados durante o ano, como na Páscoa ou Natal e comer assim num dia fora daquelas épocas era algo de especial e de carinhoso que o meu pai estava a tentar dar a minha mãe e mim. Era comum comermos o pão preto e mais barato além de ser mais pequeno, de não ter o cheirinho e de ser menos fofo que o branco, adorava os de forma, macios e fáceis de fazer fatias, era comido mesmo sem nada barrado dentro, seco… que delicia que era…quando tínhamos algo para barrar seria banha de porco, pouco temperada e feita em casa, a manteiga era algo caro e comprada avulso em alturas lembradas. Ali, naquele dia, estava a ver-me comer pão branco com manteiga e um galão a acompanhar…que regalo… impossível de ter na maioria dos dias do ano. Saciados, seguimos caminho, meu pai ia pelas ruas a caminho do consultório, explicando o que eram alguns dos prédios como de trabalho se trata-se, afincadamente, repetia para mim depois de explicar para minha mãe na ideia de um dia eu vir novamente á cidade e saber orientar-me pelos prédios robustos e bonitos, a Alfandega, a capitania, casas de bordados, a majestosa Sé, o Apolo e café Funchal. Adorei os largos, com repuxos e lagoas com água, pombos que antes nunca tinha visto além do meu pombal ou dos pombais dos vizinhos, ali estavam eles, nos largos às dezenas que naquela manha alguém lhes deitava milho, uma imagem única que ainda hoje muito gosto de presenciar. Chegados á porta do consultório na Rua das Pretas, Vi uma porta que subia e descia com luz…!deixou-me de olhos arremelgados e grandes, assustado e ao mesmo tempo curioso…!perguntei-me, “ que é aquilo, uma porta ou janela que sobe e com luz…?”, meu pai atento perguntou “ então rapaz, que andas a aprender na escola…? …aquilo é um elevador…vamos esperar que ele desça, vamos entrar e subir até a sala do Sr. Doutor…” bem…, explicado parecia estar…, agora era só esperar e experimentar algo que desconhecia. A minha mãe, não se fez esperar nem foi na conversa do meu pai que se dobrava em explicações relacionadas com a segurança do “jingarelho”... Disse…” eu cá não ponho o pé naquilo…” enquanto ele subia e depois descia a minha mãe acabou por se convencer e mesmo trémula entrou e saiu no andar pretendido assim como nós. O tempo de espera para minha mãe ser atendida, foi razoável e o suficiente para eu lançar-me á descoberta do elevador, sem meus pais notarem a minha falta na sala sai. Carreguei ao botão de chamada e lá estava ele ali passado alguns segundos, não entrei logo, deixei subir, depois voltei a carregar o botão e lá vinha ele, desta vez vinham pessoas a descer e disseram me para embarcar, foi e vim varias vezes durante uma meia hora, desci e subi até perceber que aquele jingarelho era bom para o “raio” da brincadeira, dava-me a sensação de leveza, sentia- me como se nas nuvens estivesse. Acabada a consulta, foi eu quem já chamou o elevador e o ultimo a entrar, tinha copiado os comportamentos das outras pessoas, meus pais olharam para mim com aquela cara de quem quer dizer sem falar “…o meu menino é esperto…” então, o meu pai achou por bem gratificar-me pelo meu comportamento exemplar, mal sabendo ele que numa distracção deles, tinha escapado e feito das minhas dentro e fora do elevador… “ali á frente, há um carrinho com bolos…” disse com uma voz segura meu pai. Comi um bolo de arroz e outro veio para comer mais tarde, ainda hoje é o meu bolo de eleição, a carapuça polvilhada de açúcar e é a primeira parte do bolo a ser devorada…naquele dia, a vontade era tão grande de comer aquele bolo novo para mim, que até esqueci que ele tinha uma cinta de papel e quando dei por ela, metade desta já tinha sido comida, foi uma risada geral, quando meus pais olharam para mim e viram que comera sem olhar ao papel que envolvia o bolo. Era tarde, tínhamos que voltar ao barco, ainda havia tempo para fazer umas compras, café, amendoim e um pouco de bacalhau na Pretinha do café na Rua Fernão de Ornelas e ainda umas bolachas da casa Santo António. Já tínhamos pão fresco, estava mais que na hora de voltar ao barco e seguir viagem para Porto Santo
 
 
3ª PARTE E FIM DA VIAGEM REGRESSO A PORTO SANTO Mal tínhamos embarcado, já o relógio da torre da igreja dava horas certas, acompanhadas de badaladas de sino anunciando duas horas da tarde, fazíamos contas da hora que chegaríamos ao Porto Santo e eu já salivava a pensar no que seria o jantar a bordo. Os barqueiros, faziam caldeiradas de peixe salpresado ou simplesmente peixe cozido na água e no sal, acompanhado com semilhas também elas cozidas com ou sem casca, qualquer dos modos era bem-vindo em tais circunstâncias de viagem. De olhar preso em terra e á proa do barco, ia vendo o casario madeirense implantado nas montanhas mais parecendo uma lapinha. Bonito de se ver, para quem estava a costumado a ver terras mais planas e de cor dourada, imaginava um dia ver tão cor verdejante na ilha de Porto Santo, mas o primeiro pensamento que assaltava a mente, era sempre o mesmo…”no Porto Santo não há água…” a tristeza invadia o coração mas a esperança ditava melhores dias para a minha terra. Navegando nas águas calmas, entre o Cais Regional e o Garajau, o Arriaga, parecia adormecido, ouvia-se o ruído do motor como se tivesse a ressonar num sono profundo. Entre passageiros, ouviam-se conversas de como tinha decorrido a ida á cidade e alguns militares que regressavam a casa, comentavam as suas aventuras dentro e fora dos aquartelamentos. Algumas pessoas escolhiam os melhores lugares para ficarem sentados, outras aproveitavam como eu, para ver a costa sul da ilha da madeira, os tripulantes da embarcação preparavam o jantar, enquanto o arrais e maquinista, preocupavam-se com o rumo e o bom funcionamento do motor. O sol, estava a decair para poente, mas mesmo assim, aquecia o nosso pescoço, deixando a sua marca escaldante na minha pele jovem e branca. Meu pai, fez um sinal com a cabeça, chamando-me a atenção para ir ter com a minha mãe, porque já estava na hora de comermos antes que o barco passa-se a Ponta de São Lourenço. O mar, estava calmo mas avizinhava-se vento e ondulação de Nordeste o que era indício de que a embarcação iria balançar, nessa altura o mais certo era a minha mãe não comer nada porque enjoaria. Os pratos, eram de chapa inox, luzindo com a incidência solar, achei piada e tentei fazer reflexo para o Sr. José Dias, homem amigo e simpático, tripulante forte de cor encarniçada, que no momento vinha escarrapachado sobre a carga, o sol estava a aquecer-lhe tanto que ele abria e fechava os olhos com sonolência fatídica, consequência do esforço feito antes, ao carregar o barco junto com os outros parceiros de tripulação, sorria para mim e dizia baixinho “…és um malandro…gostas de fazer partidas como o teu pai…”. A tão esperada refeição foi como imaginava, peixe atum salpresado cozido em água do mar, acompanhado com rodelas grossas de cebolas, semilhas, alho e salsa picada, azeite para “derregar”, um manjar dos Deuses, estava a ser servido á tripulação e a nós, enquanto os passageiros comiam aquilo que tinham trazido como merenda. Entravamos na travessa, mar mais agitado entre a madeira e Porto Panto, o silêncio entre os passageiros instalou-se…, quase ninguém falava, concentrados em se controlar, aqueles que passavam mal no mar, os outros formavam agora grupinhos de duas pessoas e em cima das cargas iam falando e rindo. O barco ia carregado de mercadorias e uma viatura, um pouco de tudo, desde o petróleo e bebidas, como a cerveja e a laranjada ás mercadorias de mercearia, farinha, arroz, milho e outros. O gás de uso domestico, a lenha para queimar nas padarias. Olhava, da proa para a popa do barco, o conjunto de mercadorias, parecia um tapete de retalhos, em que as cores e formas bem arrumadas, pareciam estar numa prateleira de mercearia ou hoje de um supermercado. O dia agitado que tive, fazia-me sentir ensonado, tentei um cantinho encostado a minha mãe dentro da câmara de passageiros, estava cansado, queria dormir e nem os balanços ritmados da embarcação se eram suficientes para adormecerem-me, ainda hoje sou assim, no mar dificilmente consigo dormir. De olho entreaberto e cara de sono, passei a travessa acordado pensando voltar em outra viagem, quando fosse para a minha mãe regressar a outra consulta ou vir buscar os óculos ao oculista “Melim”. Nesta madorna, vejo pelo canto da câmara de passageiros uma sombra escura e imponente, diziam alguns “…o ilhéu da Cal… agora é num instante…” apercebi-me que aquele ilhéu era a marca que separa o Mar dos Cabritos e o bom estado do mar, calmo, da baia de Porto Santo. Nos dias de hoje, quando estou a viajar e imagino ir para além da meia travessa, guio-me numa razão de distância/tempo, pelo perfil distante ou não do Ilhéu da Cal. Passado o Ilhéu, lá estava o cais da Vila Baleira de construção sobre colunas de betão cilíndricas, imponente á fúria do mar em dias de inverno e tempo agitado do Sul ao longo dos anos, ali o Arriaga atracou e finalmente pé em terra. Desejando chegar a casa para contar aos meus amigos a ida á cidade e todas as experiencias e peripécias que tinha vivido. Iniciou a azáfama de atracar, cabos para a proa e popa lançados para terra, os homens puxavam pelos cabos e o barco lentamente ao sabor da ondulação foi encostando devagar as escadas de acesso ao cais. Fardado, estava o Cabo do Mar, Sr. Guidinho, fiscalizando tudo, nomeadamente a segurança na saída de passageiros, assim como a quantidade de pessoas que desembarcava. Era hora da companha descarregar o barco e transportar as cargas para o largo do cais, hoje largo do Barqueiro. Depositada a carga, os donos iam aparecendo uns a seguir aos outros, fazendo contas com o “escrevente” do Arriaga, profissão equiparada a um apontador, mistura com contabilista nos dias que correm. Caminhava pela mão da minha mãe no cais, quando notei que por nós passava um carrinho de carga carregado de fruta regional, esgueirei-me e tirei de um cesto de vimes uma maçã vermelha e cheirosa, não resisti a tão convidativa imagem de beleza regional. Como a dentei de seguida, não deu tempo a minha mãe dizer algo, deu-me um “carrelaço” para aprender a não mexer naquilo que não nos pertencia. Ficava para trás, uma primeira viagem que seria o motivo de muitas outras por ter tomado o gosto de navegar e sentir a maresia, ver a terra de outra perspectiva que não quando é pisada pelos nossos pés, mas sim, vista com os pés quase dentro de água a olhar para terra.
 
OBSERVAÇÃO: Optámos por apresentar o texto tal qual como o recebemos: sem arranjos gráficos, sem correções ortográficas, sem supressões... mantendo os ritmos da memória do seu autor. O PROXIMO RELATO SERÁ O SEU.