domingo, 13 de janeiro de 2013

Histórias de guerra e de paz (parte1)


Ontem, estive com o Sr. F. Tem um sorriso doce, o Sr. F. À volta da mesa, as palavras soltaram-se-lhe ao ritmo alucinante das memórias.

- Nunca ouvi o meu pai falar tanto.

Mas foi falando. Que não queria ser gravado. Que talvez um dia. Que eu podia escrever estas coisas, assim, na soltura da língua.

Era um rapaz. Andava para casar.

-Engracei-me com esta cristã…. 

Olhou para a mulher. Sorriu. Tocou-lhe na mão. Ela riu-se. Disse-lhe qualquer coisa, em tom de brincadeira, tentando cortar a emoção.

Muitas casaram com os noivos antes de eles se irem embora. Ela não: se tivesse de ser, seria. Não se importava o dinheiro que podia receber, enquanto ele estivesse na tropa. Mas, ser mulher de soldado… e se ele não voltasse…

E ele continuou: em rapaz, esteve para embarcar, mas não embarcou. Era muito complicado. Só se fosse ilegal. Mas muitos tinham sido presos e isso…

Quando a carta de chamada chegou, no finalmente das esperas, a Junta chamou. E ele foi. Teve de ir.

- eu não queria ir à tropa.

E embarcou para um quartel qualquer no continente. Era o número…..59. Nunca se há-de esquecer deste número. Nunca se há-de esquecer de o ouvir no meio de outros:

- Angola.

Nunca se há-de esquecer das palavras de Salazar. Nunca se há-de esquecer. Não sabe das lágrimas da mãe quando se foi embora. Duplamente só.

- Todos tinham alguém no cais. Havia uns rapazes que levavam panos de cores para que a família os identificasse no meio das centenas de soldados que embarcavam no Quanza…. Subiam aos mastros para verem mais, mais longe, mais longe. Eu não tinha ninguém. E isso é muito pior. Muito pior.

Confesso que me deixei ir. E vi aquele soldado, pequenino – o Sr. F. é muito baixinho – a chorar, sem lenços,

- e deixar esta rapariga….

Olha terno para a mulher. Ela ri-se, desconversa, não o deixa avançar muito na emoção.

- Perdi a minha juventude.

- Não esperei por ti?

Os filhos têm mares no olhar. Vão puxando, eles também, memórias guardadas há mais quarenta anos.

- O pai era cozinheiro.

  - Era. A minha sopa era conhecida. Os oficiais queriam a sopa do rancho geral.

- O que se passou!!!! Ficámos por ali, perto do Congo. A cama era o chão. O travesseiro era a terra. Fomos para o norte.

- Cozinhava em andamento. A cozinha era um atrelado. Mas tinha tudo. Fome não se passava. Às vezes, o oficial mandava distribuir o que sobrava pelo povo que se encontrava no caminho.

- Havia um pretinho…

- Aquele da fotografia, pai?

Que sim. Andava sempre com a companhia. Tiraram-no do mato. Quando voltou com o retrato, o sogro metia-se com ele:

- não me digas que é teu filho, o miúdo…

Que muitos tiveram amores pelas áfricas. Ele não. Queria que aquilo passasse depressa. Foram três anos. A juventude inteira [que quem vai à guerra, já vem velho. E doente].

CONTINUA ….

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