A tarde de ontem estava morna .... o mar e o céu, ambos envoltos numa neblina densa e inebriante ... a baía sossegada ... a conversa recuando cada vez mais no tempo ... outras épocas, outras gentes, os bandidos!!! (da PIDE!) ....
Dona I. recorda esse tempo [maldito] … e sem sequer proferir uma palavra, sentimos a dor que as lágrimas não conseguem disfarçar. Aguardamos em silêncio... aquele silêncio que vai falando ao coração.
Dona I. vai bebericando o café, devagar ... sempre devagar .... a pressa já não mora aqui [ aos 80 anos, o tempo tem todo o tempo para oferecer] ... e vai contando a história do pai.
- era um simples carpinteiro, mas meteu-se na politica. Teve de fugir. Eu tinha apenas 2 anos. O meu irmão talvez uns 11. Era ele e mais 3. O combinado era encontrarem-se nas Cruzes, de noite e depois irem juntos para a praia onde uma canoa os levaria até a um barco que estava ao largo ... bem longe. O meu pai conseguiu. Os outros dois não.
… volta a bebericar o café ....
- Fugiu para a Espanha (não sabe mais detalhes). Recebíamos cartas com um nome espanhol [já não me lembro sequer desse nome]. Até que um dia o meu irmão mandou dizer que ia casar. Já era um homem feito. As coisas estavam mais calmas e o meu pai chegou de surpresa.
… as lágrimas deram lugar a um sorriso largo … neste recordar do momento em que olhando para o porta de casa exclamou incrédula:
- é o meu pai!!!!
A alegria durou pouco. Logo no dia seguinte a família foi visitada por um agente da PIDE. E dias depois, o pai desapareceu … desta vez …. para sempre.