RAPAZES DA MERGULHANÇA OU
APANHADORES DE ESTRELAS
Eram rapazes com pele de mar. Era
miúdos a crescer na pressa dos dias, a querer participar no movimento colorido
das canoas a povoar o azul do mar.
Eram anfíbios: corriam atrás da
bola de trapos no Campo Almirante de Reis e enfiavam os corpos franzinos no
mar, como se aquele fosse também o seu lugar. E era. Eram apanhadores de
estrelas. Ora do céu. Ora do mar.
Quando o navio chegava, saltavam
para a água, da canoa ou do navio, ao encontro da moeda que os ingleses lhes atiravam. Se branca,
melhor. Dava para mais: para um almoço de meio pão com molho, para uns
cigarrinhos que ajudavam a enganar o tempo.
Alguns eram verdadeiros artistas
– desenhavam movimentos aéreos, atravessavam o navio de ponta a ponta a ponta,
apresentavam a moeda presa entre o polegar e o indicador ou entre os dedos dos
pés. E pediam palmas. E agradeciam como
os verdadeiros acrobatas. E queriam mais.
Nas canoas, outros rapazes preparavam-se:
o Anão, o Venena, o Jana e os outros, os da mergulhança. Às vezes, tentavam
fugir. Da mesma forma que fugiam da escola. Outras, eram apanhados pelo Cabo do
Mar, ou porque não tinham licença, ou porque….
Quando os barcos vinham de noite,
saltar do barco era uma aventura maior. Era como se uma estrela saltasse do céu
e descesse aos ziguezagues, no bailado prateado da maré. Tinha de ser branca.
Melhor, portanto.
Às vezes, enganavam os turistas –
talvez não se chamassem assim, nesse tempo, os senhores e as senhoras que se
embebedavam da beleza da aproximação a terra. E enfiavam a moeda – que,
efetivamente, tinham apanhado – na dobra do calção de ganga rude e pediam mais.
Desse tempo de meninice, ficaram
os restos dessa meninice que ainda se percebe nos olhos do Duílio e do Jana.
Sobrevivem à vida, às marés e às mudanças. Sobrevivem e contam, com orgulho,
como eram os tempos e as coragens, como era a vida na Rua de Santa Maria, de
que cor eram os sonhos, com que linhas se cozia o futuro.
Os outros miúdos olhavam-nos com
alguma inveja. E imitavam-nos, saltando das rochas da Barreirinha, atrás de
caricas brancas como as moedas que vinham do resto do mundo. São parte das
Gentes que fazem a Historia. Guardamos as suas Memórias, no âmbito do nosso
Projeto, no Centro de Estudos de História do Atlântico. Graças a este Projeto
de Memórias, é possível descobrir novos heróis e protagonistas da ilha, da
cidade e do porto do Funchal. Estes meninos-mar são personagens da História do
Porto. São heróis de uma cidade com o mar aos pés. Não podemos deixar que o
tempo os esqueça.
in JM: 13 de agosto
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