terça-feira, 13 de agosto de 2013


RAPAZES DA MERGULHANÇA OU APANHADORES DE ESTRELAS

 

Eram rapazes com pele de mar. Era miúdos a crescer na pressa dos dias, a querer participar no movimento colorido das canoas a povoar o azul do mar.

Eram anfíbios: corriam atrás da bola de trapos no Campo Almirante de Reis e enfiavam os corpos franzinos no mar, como se aquele fosse também o seu lugar. E era. Eram apanhadores de estrelas. Ora do céu. Ora do mar.

Quando o navio chegava, saltavam para a água, da canoa ou do navio, ao encontro da moeda que os ingleses lhes atiravam. Se branca, melhor. Dava para mais: para um almoço de meio pão com molho, para uns cigarrinhos que ajudavam a enganar o tempo.  

Alguns eram verdadeiros artistas – desenhavam movimentos aéreos, atravessavam o navio de ponta a ponta a ponta, apresentavam a moeda presa entre o polegar e o indicador ou entre os dedos dos pés.  E pediam palmas. E agradeciam como os verdadeiros acrobatas. E queriam mais.

Nas canoas, outros rapazes preparavam-se: o Anão, o Venena, o Jana e os outros, os da mergulhança. Às vezes, tentavam fugir. Da mesma forma que fugiam da escola. Outras, eram apanhados pelo Cabo do Mar, ou porque não tinham licença, ou porque….

Quando os barcos vinham de noite, saltar do barco era uma aventura maior. Era como se uma estrela saltasse do céu e descesse aos ziguezagues, no bailado prateado da maré. Tinha de ser branca. Melhor, portanto.

Às vezes, enganavam os turistas – talvez não se chamassem assim, nesse tempo, os senhores e as senhoras que se embebedavam da beleza da aproximação a terra. E enfiavam a moeda – que, efetivamente, tinham apanhado – na dobra do calção de ganga rude e pediam mais.

Desse tempo de meninice, ficaram os restos dessa meninice que ainda se percebe nos olhos do Duílio e do Jana. Sobrevivem à vida, às marés e às mudanças. Sobrevivem e contam, com orgulho, como eram os tempos e as coragens, como era a vida na Rua de Santa Maria, de que cor eram os sonhos, com que linhas se cozia o futuro.

Os outros miúdos olhavam-nos com alguma inveja. E imitavam-nos, saltando das rochas da Barreirinha, atrás de caricas brancas como as moedas que vinham do resto do mundo. São parte das Gentes que fazem a Historia. Guardamos as suas Memórias, no âmbito do nosso Projeto, no Centro de Estudos de História do Atlântico. Graças a este Projeto de Memórias, é possível descobrir novos heróis e protagonistas da ilha, da cidade e do porto do Funchal. Estes meninos-mar são personagens da História do Porto. São heróis de uma cidade com o mar aos pés. Não podemos deixar que o tempo os esqueça.
in JM: 13 de agosto

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