quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

NA VIVÊNCIA DE UMA GUERRA, HOUVE NATAL...

Paulo Gilberto Camacho enviou-nos este texto contando acerca de um grupo de jovens militares que viveu a quadra natalícia longe de casa ... alhures no meio de África .... atolados de saudades e recordações ...



Eram cerca das 21 horas de 20 de Dezembro de 1970, quando, em todo o aquartelamento do Sessa,no Leste de Angola, a maioria dos militares se entregava à escrita dos últimos “bate-estradas” a desejar Boas Festas à família, à namorada, à madrinha de guerra ou, ainda, aos amigos que deixaram no “Puto” (Portugal Metropolitano).Outros entretinham-se na velha palhota, o nosso “snack-bar, a jogar à lerpa ou às copas, acompanhados das inseparáveis Cuca ou Nocal…

No Posto Rádio, o operador de transmissões Camacho acabara de dar por terminado o QTR das 21h00. Retirando os auscultadores e, ao rodar na cadeira improvisada em grade de cerveja, deparou-se com o ar circunspecto do alferes Lourenço a olhar para todo o material disponível e operacional de transmissões. Ele sabia o operador que tinha no pelotão. Era um indivíduo muito minucioso, muito cioso na manutenção do material de radio. Fazia gala de dizer que o “transmissões” era o anjo da guarda da tropa…

—    Boa noite, meu alferes. Apetece-lhe uma Nocal?…

Indiferente ao convite, com ar carregado, perguntou:

— Camacho, o material rádio está todo OP a sair para a mata?

— Como sempre, meu alferes, porquê?

— Quero-te pronto, dentro de meia hora porque vamos sair por dois, três ou mais dias…

— Sair? Mas não recebemos nenhuma mensagem para tal, nem tão pouco o PAO (Plano de Actividades Operacionais) tem agendada alguma acção para esta data!…

— Prepara-te. Vou informar outros. Silêncio absoluto. Sabes, os “cabrões” como no ano passado, devem querer dar-nos as “Boas Festas”. Este ano, quem lhas vai dar somos nós…

— Está louco? Nesta altura, em época de Natal, ir para a mata à caçados “turras“ por capricho seu? Já pensou na reacção do resto da malta? Jáviu que se algum de nós “lerpa” o problema de consciência que você vai ter?…

— Daqui a meia hora quero-te pronto. — E seguiu rumo ao nosso “snack” e à caserna, seleccionando o pessoal.

A confiança de diálogo entre os dois permitia, por vezes, que se esquecessem patentes e que falassem num tu a tu. Os serões de ambos eram passados a dissertar sobre filosofia, sobre o mundo actual, sobre a leitura de clássicos portugueses e estrangeiros, bem como dos escritores de então. Quase sempre terminavam o diálogo questionando-se do porquê daquela guerra, porquanto tempo ela iria aguentar, das razões que a fizeram e a mantinham. Havia sempre um misto de orgulho de um dever que estavam a cumprir e de uma revolta latente a lhes dizer estarem ali a defenderem as costas de determinados senhores e não o Império.

( continua...)

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