quinta-feira, 27 de junho de 2013
segunda-feira, 24 de junho de 2013
.... um apertado abraço ...
Angola
Cacúlo Fazenda, 9 de Julho de 1916
Minha querida irmã,
Primeiro que tudo desejo que
estas duas linhas te vão encontrar de perfeita saúde que quanto à minha vou
andando um pouco sofrível.
Como até à data não recebi carta
nenhuma tua ainda, isto devido aos vapores, pois que agora o Governo apossou-se
duns poucos de vapores alemães parece até impossível que haja por enquanto só
um vapor por mez de Lisboa para Angola como consta; resolvei então mandar-te os
150$00 que na última carta que escrevi te dizia.
(…)
Como já te disse na outra carta
este dinheiro é para comprar metade da casa e cozinha e também algum bocado de
fazenda, visto tu não poderes comprar sósinha.
Tem paciência. Vê se podes pedir
o resto que falta. O Candido já mandou-me dizer que Augusta tinha já embarcado
para a América. Será verdade? (…) E com respeito a João? (…)
Por agora não posso ser mais
extenso senão que recebas muitas recomendações e um apertado abraço deste teu
irmão que te deseja mil felicidades.
Francisco Gregório
Teixeira
quinta-feira, 20 de junho de 2013
segunda-feira, 17 de junho de 2013
coisas de Mulheres.....
Porque memórias puxam memórias, Fátima Correia partilha histórias que se cruzam, se entrelaçam, se constroem.... à volta do porto, da pesca, da estiva, do bombote....
Os homens iam para o mar. As mulheres ficavam. À espera do
que o mar levava. À espera do que o mar trazia. Às vezes, quando a faina era
longe, nas águas dos Açores, as mulheres vinham esperá-los no ali mais perto
dos abraços. Vinham de Machico e passavam a noite num quarto grande da casa da
tia, um quarto, assim, ao comprido....
onde dormiam, a lastro, no chão, umas com as outras, na solidariedade da
saudade.
Maria de Fátima vivia naquela casa. Era a casa da tia,
casada com o Meia Noite, uma casa de muitas vozes, de muitas mulheres.
A mãe bordava. Como a maioria. Fazia palas para camisas da
noite e pontos elásticos. Bordava e criava os filhos:
- Nasceram 10 filhos à
minha mãe.
Lembra-se das cestas que as mulheres preparavam com a comida
dos homens. E dos passeios ao Almirante Reis, para ver passar gente....
Conta mais coisas. Mas perde-se, sobretudo nos nomes que a
memória lhe traz. De outras mulheres: a Botica, as Viloas, as Maroas, as Nonos,
a Maria Escala, a Cigarrinha, as Campanárias, as Louras, a Cambita....
Sorri. A cada alcunha pertence uma história. Ou um diz que
disse. Coisas de mulheres. Não conta tudo. Suspende dúvidas no ar. Coisa de
mulheres, também....
Women talk….
One memory
pulls another, just like cherries. Fátima Correia has shared childhood tales
that mingled together and were placed around the port of Funchal, the fishing
village and the people who lived at the seashore.
Men used to
go to sea. Women stayed at home. They waited for whatever news the ocean
brought back. Sometimes, and because fishing had to be done far in the Azores
Islands, women came to Funchal in order to meet them. Some used to come from
Machico and spent the night in Fatima’s aunt house. They slept in a corridor …
on the floor, one next to the other sharing the longings and the suffering.
Maria de
Fátima has lived for a very long time at that house. It belonged to her aunt
who had married a man whose nickname was Midnight. It was a house full of female
voices.
Her mother
embroidered. Just like most of the other women. She used to embroider night
gowns and this is how she raised her children:
-
My
mother gave birth to 10 children.
Fátima also
recalled the lunch baskets women used to carry to her husband’s. And the walking at Almirante Reis, just to see people
pass by…
She told us
about so many things. And sometimes words got in the way.. she has lost memory
about some of the names but still she remembered some of the nicknames: a
Botica, as Viloas, as Maroas, as Nonos, a Maria Escala, a Cigarrinha, as
Campanárias, as Louras, a Cambita....
She smiled
every time she pronounced one of these nicknames. Each one has a story
to tell, or a story to make up. Just like women talk. She did not tell
everything. There were so many silences, so many unspoken words… just like
women talk, too.
Etiquetas:
alcunhas,
Almirante Reis,
homens,
mar,
mulheres
sexta-feira, 14 de junho de 2013
memento mori.....
Todas as fotografias são memento mori. Tirar uma fotografia
é participar da mortalidade, vulnerabilidade e mutabilidade do outro. Exatamente
por se talhar um determinado momento e o fazer estacar, toda a fotografia
testemunha o impiedoso passar do tempo.
Susan Sontag
Fotografar pessoas é violá-las pois conseguimos vê-las tal
como elas nunca se viram, conseguimos entendê-las como elas nunca se
entenderam; é transformar pessoas em
objectos que podem assim ser possuídos.
Susan Sontag
All photographs are memento mori. To take a photograph is to participate in another person’s (or thing’s) mortality, vulnerability, mutability. Precisely by slicing out this moment and freezing it, all photographs testify to time’s relentless melt.
(...)
To photograph people is to violate them, by seeing them as they never see themselves, by having knowledge of them that they can never have; it turns people into objects that can be symbolically possessed.
Susan Sontag
To photograph people is to violate them, by seeing them as they never see themselves, by having knowledge of them that they can never have; it turns people into objects that can be symbolically possessed.
Susan Sontag
terça-feira, 11 de junho de 2013
sexta-feira, 7 de junho de 2013
Quantos tempos tem a guerra?
O verbo tem vários tempos. A vida tem vários tempos. O tempo
tem várias vidas. E a guerra? Quantos tempos tem a guerra?
Poderá parecer estranho mas a guerra não tem tempo, porque
quem vai à guerra sabe da eternidade que carrega para todo o sempre.
No entanto, cada militar fazia a (sua) contagem do tempo – e a
contagem do tempo era apenas uma só – os dias que faltavam para regressar a
casa.
Ao longo destes meses, temo-nos deparado com estratagemas,
pequenos truques de como registar de forma visível [tal como uma tatuagem] o
passar dos dias.
Partilhamos aqui alguns desses calendários de guerra. Sim. São
calendários. Não tem fotos de paisagens nem meninos ou meninas com caras de
anjo mas guardam a paisagem de quem espera o fim do inverno e o regresso da
primavera.
What is the length of a war?
A verb has different
tenses. A life has different times. And time has different modes of living. And
what about war? What is the length of a war?
Odd as it may
seem, war has no time. All those who have been into war know how eternal it is
for once you have been in a war you will shoulder it forever.
However, each
soldier counted time on its own – but the counting of the days meant only one
thing – the days missing to return back home.
During these
past months, we have come across different tricks and strategies to register
the passing of days so as to make it visible [just like a tattoo].
We share here
some of those war calendars. Yes, they are homemade calendars. They have no
landscapes and no photos of baby angels but they mirror the hope of those who anxiously
waited winter to end and the return of spring.
quarta-feira, 5 de junho de 2013
segunda-feira, 3 de junho de 2013
CHEIO E VAZIO [DE GUERRA]
T. veio da guerra cheio: cheio de combate, cheio de dever
cumprido, cheio de Africa [ cujo cheiro nunca se esquece] e cheio de saudades
da ilha. Foi por isso que nem esperou pela passagem a que tinha direito e, pagando do seu bolso, meteu-se no primeiro
avião, com destino à Madeira. Deixou lá a roupa. Deixou lá vários anos de vida.
Deixou lá alguns companheiros. E deixou lá Djáci e Fátima.
Djáci era o negro que ajudava lá no quartel. Entre tantas
coisas, servia à mesa durante os almoços e os jantares do esquadrão.
Fátima era a negra que lavava a roupa e amansava a solidão
do furriel T. que, em troca, lhe pagava muito mais do que ela pedia sempre que
vinha entregar a trouxa com a roupa lavada.
T. veio da guerra vazio: Djáci e Fátima ficaram lá. Nunca
mais soube deles. Julga que foram mortos [como todos os outros, sobretudo
aqueles que conviviam com o inimigo].
- não faço ideia do que lhes terá acontecido- explicou com
serenidade. [ aquela serenidade que só o tempo empresta às dores]
Mas lembra-se deles[
porque há memórias que se colam a nós e que nos dão vida, sem que a gente se
aperceba do seu fôlego].
T. came
back from war feeling complete: he had fight, he had served his country, he had
been in Africa [ an unforgettable land] and he missed the Island a lot. This is
why he did not wait for the ticket he was entitled to and he paid his own trip
back to Madeira. He left his uniform there. He left part of his life. He left
some companions. And he left Djáci and
Fátima.
He was a Negro
and helped at the quarters. He used to help at lunch and dinners. He served the
meals to the officers.
Fátima was
a Negro washerwoman. Every week she washed his clothes and tamed his solitude.
In return he paid her so much more than she expected for washing the laundry
and thus helped her to support a child.
T. came
back from war feeling empty: Djáci and Fátima stayed there. He never heard
about them anymore. He believes they were killed [just like all the others who
had helped the enemy].
- I have no
idea what happened to them – he explained with serenity [ the serenity that
only time affords]
But he
remembers them well. [ because there are memories that become our life even
though we ever hardly feel their breath]
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