segunda-feira, 17 de junho de 2013

coisas de Mulheres.....


 


 
Porque memórias puxam memórias, Fátima Correia partilha histórias que se cruzam, se entrelaçam, se constroem.... à volta do porto, da pesca, da estiva, do bombote....

Os homens iam para o mar. As mulheres ficavam. À espera do que o mar levava. À espera do que o mar trazia. Às vezes, quando a faina era longe, nas águas dos Açores, as mulheres vinham esperá-los no ali mais perto dos abraços. Vinham de Machico e passavam a noite num quarto grande da casa da tia, um quarto, assim, ao comprido....  onde dormiam, a lastro, no chão, umas com as outras, na solidariedade da saudade.

Maria de Fátima vivia naquela casa. Era a casa da tia, casada com o Meia Noite, uma casa de muitas vozes, de muitas mulheres.

A mãe bordava. Como a maioria. Fazia palas para camisas da noite e pontos elásticos. Bordava e criava os filhos:

- Nasceram 10 filhos à minha mãe.

Lembra-se das cestas que as mulheres preparavam com a comida dos homens. E dos passeios ao Almirante Reis, para ver passar gente....

Conta mais coisas. Mas perde-se, sobretudo nos nomes que a memória lhe traz. De outras mulheres: a Botica, as Viloas, as Maroas, as Nonos, a Maria Escala, a Cigarrinha, as Campanárias, as Louras, a Cambita.... 

Sorri. A cada alcunha pertence uma história. Ou um diz que disse. Coisas de mulheres. Não conta tudo. Suspende dúvidas no ar. Coisa de mulheres, também....



Women talk….
One memory pulls another, just like cherries. Fátima Correia has shared childhood tales that mingled together and were placed around the port of Funchal, the fishing village and the people who lived at the seashore.
Men used to go to sea. Women stayed at home. They waited for whatever news the ocean brought back. Sometimes, and because fishing had to be done far in the Azores Islands, women came to Funchal in order to meet them. Some used to come from Machico and spent the night in Fatima’s aunt house. They slept in a corridor … on the floor, one next to the other sharing the longings and the suffering.
Maria de Fátima has lived for a very long time at that house. It belonged to her aunt who had married a man whose nickname was Midnight. It was a house full of female voices.
Her mother embroidered. Just like most of the other women. She used to embroider night gowns and this is how she raised her children:
-          My mother gave birth to 10 children.
Fátima also recalled the lunch baskets women used to carry to her husband’s. And  the walking at Almirante Reis, just to see people pass by…
She told us about so many things. And sometimes words got in the way.. she has lost memory about some of the names but still she remembered some of the nicknames: a Botica, as Viloas, as Maroas, as Nonos, a Maria Escala, a Cigarrinha, as Campanárias, as Louras, a Cambita.... 
She smiled every time she pronounced one of these nicknames. Each one has a story to tell, or a story to make up. Just like women talk. She did not tell everything. There were so many silences, so many unspoken words… just like women talk, too.
 
 


sexta-feira, 14 de junho de 2013

memento mori.....


 

 
 
 
 
Todas as fotografias são memento mori. Tirar uma fotografia é participar da mortalidade, vulnerabilidade e mutabilidade do outro. Exatamente por se talhar um determinado momento e o fazer estacar, toda a fotografia testemunha o impiedoso passar do tempo.
Susan Sontag


 
 
 



 
Fotografar pessoas é violá-las pois conseguimos vê-las tal como elas nunca se viram, conseguimos entendê-las como elas nunca se entenderam;  é transformar pessoas em objectos que podem assim ser possuídos.
Susan Sontag


 
 
   All photographs are memento mori. To take a photograph is to participate in another person’s (or thing’s) mortality, vulnerability, mutability. Precisely by slicing out this moment and freezing it, all photographs testify to time’s relentless melt.
(...)
To photograph people is to violate them, by seeing them as they never see themselves, by having knowledge of them that they can never have; it turns people into objects that can be symbolically possessed.
Susan Sontag















sexta-feira, 7 de junho de 2013

Quantos tempos tem a guerra?


O verbo tem vários tempos. A vida tem vários tempos. O tempo tem várias vidas. E a guerra? Quantos tempos tem a guerra?

Poderá parecer estranho mas a guerra não tem tempo, porque quem vai à guerra sabe da eternidade que carrega para todo o sempre.

No entanto, cada militar fazia a (sua) contagem do tempo – e a contagem do tempo era apenas uma só – os dias que faltavam para regressar a casa.
 
 
 

Ao longo destes meses, temo-nos deparado com estratagemas, pequenos truques de como registar de forma visível [tal como uma tatuagem] o passar dos dias.

Partilhamos aqui alguns desses calendários de guerra. Sim. São calendários. Não tem fotos de paisagens nem meninos ou meninas com caras de anjo mas guardam a paisagem de quem espera o fim do inverno e o regresso da primavera.





What is the length of a war?


A verb has different tenses. A life has different times. And time has different modes of living. And what about war? What is the length of a war?

Odd as it may seem, war has no time. All those who have been into war know how eternal it is for once you have been in a war you will shoulder it forever.

However, each soldier counted time on its own – but the counting of the days meant only one thing – the days missing to return back home.

During these past months, we have come across different tricks and strategies to register the passing of days so as to make it visible [just like a tattoo].

We share here some of those war calendars. Yes, they are homemade calendars. They have no landscapes and no photos of baby angels but they mirror the hope of those who anxiously waited winter to end and the return of spring.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

CHEIO E VAZIO [DE GUERRA]


T. veio da guerra cheio: cheio de combate, cheio de dever cumprido, cheio de Africa [ cujo cheiro nunca se esquece] e cheio de saudades da ilha. Foi por isso que nem esperou pela passagem a que tinha direito e,  pagando do seu bolso, meteu-se no primeiro avião, com destino à Madeira. Deixou lá a roupa. Deixou lá vários anos de vida. Deixou lá alguns companheiros. E deixou lá Djáci e Fátima.

Djáci era o negro que ajudava lá no quartel. Entre tantas coisas, servia à mesa durante os almoços e os jantares do esquadrão.

Fátima era a negra que lavava a roupa e amansava a solidão do furriel T. que, em troca, lhe pagava muito mais do que ela pedia sempre que vinha entregar a trouxa com a roupa lavada.

T. veio da guerra vazio: Djáci e Fátima ficaram lá. Nunca mais soube deles. Julga que foram mortos [como todos os outros, sobretudo aqueles que conviviam com o inimigo].

- não faço ideia do que lhes terá acontecido- explicou com serenidade. [ aquela serenidade que só o tempo empresta às dores]

 Mas lembra-se deles[ porque há memórias que se colam a nós e que nos dão vida, sem que a gente se aperceba do seu fôlego].

 
 

T. came back from war feeling complete: he had fight, he had served his country, he had been in Africa [ an unforgettable land] and he missed the Island a lot. This is why he did not wait for the ticket he was entitled to and he paid his own trip back to Madeira. He left his uniform there. He left part of his life. He left some companions.  And he left Djáci and Fátima.

 

He was a Negro and helped at the quarters. He used to help at lunch and dinners. He served the meals to the officers.

Fátima was a Negro washerwoman. Every week she washed his clothes and tamed his solitude. In return he paid her so much more than she expected for washing the laundry and thus helped her to support a child.

T. came back from war feeling empty: Djáci and Fátima stayed there. He never heard about them anymore. He believes they were killed [just like all the others who had helped the enemy].

- I have no idea what happened to them – he explained with serenity [ the serenity that only time affords]

But he remembers them well. [ because there are memories that become our life even though we ever hardly feel their breath]

 

sexta-feira, 31 de maio de 2013

E começámos a desvendar ...

Espólio de  Horácio Bento de Gouveia
 
 
 
1912. Ponta Delgada. Virgílio Bento de Gouveia. (irmão de Horácio Bento de Gouveia )

 
 
 
 
 



quarta-feira, 29 de maio de 2013

terça-feira, 28 de maio de 2013

Uma história do Eu: R.



R. ainda tem o mel dourado da voz do Porto Santo , num tempo em que as casas eram de salão e tinham chão de terra batida. Veio partilhar uma história antiga de pobrezas e solidões, em que a morte da mãe, primeiro, e do pai, depois, o traz para a Ilha grande.

De mão dada com a irmã, vem para um lugar sem afetos: ela para um colégio interno, ele para a Casa do Gaiato.

- Desculpe, não gosto de chorar. Já tenho cabelos brancos.

Conta a vida e pede-nos que a calemos, por enquanto. Cumpriremos.  


Há de voltar. Tem retratos e lembranças da eira e da lota, do cinema e dos dinheirinhos do carreto.

- A gente  carregava as malas dos senhores que vinham  nos barcos e ganhávamos uns tostões... dava para o cinema.... Viu o Cinema Paraíso? Era assim.

R. vai voltar com esse Porto Santo nas mãos, na voz, no coração. Daremos conta dessas histórias, aqui, um dia destes.

A lifestory…

R. has a melted voice like the golden sand of Porto Santo beach, and makes us remember the time when houses were still roofed by a mixture made of earth. He shared old tales of past times when poverty and loneliness were constant and of harsh times tainted by the death of his mother, and later of his father and the consequent depart for the big island.

Hand in hand with his sister, he was sheltered at a place that lacked affection: she went into a boarding school and he entered Casa do Gaiato 

-          I am sorry… I don’t like crying. I am already a grown up man.

He had to share his stories but he has asked us not to share. We will keep our promise.


He will come back. He has photos and memories of the old cinema, of the fish market and of the pocket money he used to collect.

-          We carried the luggage of the passengers and so we earned some coins … it was enough to pay for the cinema … Have you seen the film Cinema Paraíso? It was just like that.

R. is going to come back. He still carries Porto Santo Island in his hands, in his voice, in his heart. Soon we will tell you all about it.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Funchal. Coimbra. Angola - por entre lugares da memória


Coimbra fervia de estudantes. Os alunos assistiam às aulas e nos tempos livres juntavam-se para falar e discutir (às escondidas) sobre o Regime.

Rui frequentava o terceiro ano de Direito. A ilha e a família tinham ficado para trás. A namorada também estudava em Coimbra e uma vida nova tomava cor.

A meio do ano, foi mobilizado para cumprir o serviço militar. Hesitou. Podia pedir um adiamento, afinal tinha bom aproveitamento. Ou podia emigrar: França, talvez.  Mas não. O seu lugar era ali. Junto com os outros. Os seus colegas. Os da sua geração. Os do seu país.

Após o curso de miliciano em Mafra, fica colocado no Funchal. Volta à terra. Satisfeito por estar de novo mais perto dos seus.

Estamos no ano de 1961 e o Alferes é chamado para Angola. E vai! Tinha de ir!

A guerra foi dura. Esteve 31 vez debaixo de fogo intenso. A morte, a dor, o sofrimento colavam-se à pele tal como a lama e o breu da noite. Os turras conheciam melhor o terreno e faziam o jogo do “bate e foge”;

- nós estávamos mais bem apetrechados. Tínhamos melhor armamento mas a partir do momento que começaram a usar minas ( 1963),  a coisa piorou muito!

Em Luanda, encontra Manuel Alegre. Vão almoçar juntos. E a vida toma novamente outra cor. A cor da militância partidária. A cor de uma luta! A cor de uma liberdade que paulatinamente ganhava mais adeptos por entre os soldados que, no Ultramar, sentiam fazer parte de uma guerra que não era deles… que não lhes pertencia… que lhes roubava anos de vida, que lhes roubava irmãos, primos, amigos e sobretudo que lhes roubava a esperança … a hipótese de ter uma vida como toda a gente.

Rui  Nepomuceno falou-nos da Guerra do Ultramar. Esteve lá, sim. Mas já lá não está. [agora , cada vez menos penso nisso] . Guarda na sua memória as conversas, os ânimos da juventude, o companheirismo e os planos e os sonhos de um futuro melhor.

E guarda um sorriso … e um olhar terno mas vibrante ainda cheio de tantas vontades e de tantas lembranças. [ que prometeu partilhar connosco]
 
 
 
Funchal. Coimbra. Angola - in between places of memory
Coimbra was crowded with students. Young boys and girls attended classes and after school got together (undercovered) and talked about the Regime.
Rui was already at the third year of Law. Madeira Island and the family had been left behind. His girlfriend was also at Coimbra and there life had gained a new tone.
 
In the middle of the term he was called to do military service. He thought carefully about it. He could have asked for an adjournment because he had good grades. He could also go away: France, perhaps. But he decided not to. His place was right there. He had to be with his mates. He had to join his generation. And he had to help his country.
After the military course at Mafra, he came back to Funchal. He was so glad. He was back home.
Then, in 1961 he was forced to go to Angola. There was no other way! Portugal was at war and needed their young men.
War was thought! He was 31 times under severe fire. Death, pain, suffering clustered to skin the same way mud and night darkness. The enemy knew the place much better and used to attack and hide in the jungle;
-          But we were better armed. We had better guns but when they started using mines (1963), things got so much worse!
In Luanda he met Manuel Alegre. They had lunch together. Life was again tainted by other colours. The colour of the Communist Party. The colour of political struggle! And the colour of freedom which gradually gained supports among the soldiers who realized they were fighting a war that did not belong to them … a war that robbed their youth,  that killed their brothers, cousins, friends and above all a war that cut off the hope of having a normal life, just like everybody.
Rui Nepomuceno talked with us about war at Overseas Portugal. He was there. He is not there any longer [he hardly thinks about it now]. He remembers the conversations, the cheering and friendship of the boys and the planning and dreaming of a brighter future.
And he has kept a warm smile… and tender but blazing eyes so full of willing and nice remembrances [he has promised to share with us].
 

segunda-feira, 20 de maio de 2013

EXPOSIÇÃO


 
No CEHA, na rua das Mercês, nº 8, moram memórias. As de gente que ajudou a construir a ilha que somos. As da ilha que foi embarcando em vapores, à procura de outras felicidades. As dos rapazes chamados a defender o chão pátrio no Ultramar.

A exposição de alguns destes documentos – recolhidos no âmbito do Projeto Memória das Gentes que fazem a História, está patente ao público nestas instalações  até ao dia 21 de junho.

São retratos, cartas, troféus  de guerra, aerogramas, objetos. São recortes do passado e manuscritos, são versos e histórias....

 
Venha ver este pedaço da história. A entrada é livre.

 
 
 
Depois, se quiser, consulte o nosso catálogo, o blogue e venha ter connosco, traga-nos a sua história e os “papéis” que dormem, esquecidos,  no tempo.





 ESTAMOS À SUA ESPERA!  


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Exhibition

Memories have found a home at Rua das Mercês, nº8.  These memories belong to common people who have helped to build the history of the island. Some have left and went abroad looking for a better life. Some were boys and went to war at Overseas Portugal.

 
 
 
 
 
Some of these documents – collected within the MEMORIA project – can be seen until June, 21st. The collection includes pictures, war prizes, letters, postcards and other type of objects. There are also handwritten notes, poems, recipes… etc

You can also have a look at our catalogue and at our blog.

The entrance is free! Come and visit us! And in case you have similar documents, please bring them!!! Together we can make a difference!!

 









 

 
 

sexta-feira, 17 de maio de 2013


AGRADECIMENTO / CONVITE

 

Ontem, o auditório do CEHA derramou. De público. De emoções. De memórias. Contámos com a presença de muitos colaboradores, de muitos amigos, de gente que acredita que a História também se faz com as histórias da gente.

A todos agradecemos a presença, o apoio, o interesse e a colaboração. Estamos à espera das vossas histórias, do vosso testemunho, de documentos que contem outros lados da nossa história....

Venham  ao CEHA.  Temos a exposição aberta ao público até ao 21 junho. Temos cartas do princípio do século, retratos antigos, discos, pautas, guiões de teatro revista, almanaques, livros … e temos sonhos e medos, gargalhadas e lágrimas, silêncios e gritos. Venha visitar a história.... a sua! A nossa!

 







 



segunda-feira, 13 de maio de 2013

HISTÓRIAS DE VIDA : 16-05: 17H - CEHA


 

Na primeira pessoa, ouvimos contar histórias. Da vida real. De embarques de solidões à procura da vida, à procura do cumprimento de um dever, à procura de mundo.

No dia 16 de maio, às 17 horas, conheceremos os protagonistas deste blogue.   Perceberemos quem são e de que forma as suas histórias de vida contribuiram para a História do Arquipélago. Talvez as várias formas de nos dizermos e de nos escrevermos nos ajude a interpretar o presente e a preparar o futuro.

Quer saber como?

O dia 16 de Maio é o Dia Internacional das Histórias de Vida. O seu. Venha celebrá-lo connosco, no CEHA,  na Rua das Mercês, nº 8.