Júlia Nunes viveu na Rua das Mercês,
nº 8, no Funchal [hoje, sede do Centro de Estudos de História do Atlântico]. O
proprietário do palacete das Mercês, Manuel Luís Nunes, despachante oficial da
Alfândega do Funchal durante mais de 50 anos, era seu avô.
Ao longo da nossa conversa, fomos
acompanhadas pela jovialidade e pelas memórias da infância e juventude de Júlia
Nunes. Percorremos as salas do nosso habitual local de trabalho que, de
repente, e quase por magia, se tornaram em salas de estar, salas de jogo,
quartos de dormir, cozinhas e arrecadações.
- Eu andava sempre aqui, enquanto decorriam as obras. Não largava os homens...
Deitaram imensa coisa abaixo … e eu vinha para aqui brigar.
A casa tinha 10 quartos. A família
era grande. O avô teve 12 filhos e quase todos, mesmo depois de casados, foram
ficando por cá. O avô ficou viúvo muito cedo. A mãe, por exemplo, viveu sempre
aqui. Júlia nasceu aqui. E os irmãos. E os primos. Muita coisa se passou nesta
casa:
- Todos os dias à mesa, tínhamos cerca de 20 pessoas. Havia criados de
Cabo Verde. Uma engomadeira. Uma costureira. E um casal que servia à mesa: ela
de farda preta e avental branco e ele de fato preto e casaca branca.
Os serões também eram animados. Além
da canastra, tocava-se piano: um piano enorme, de cauda, explica Júlia Nunes,
apontando para um ali [ausente] que nos fez recuar até ao dia 21 de dezembro de
1945, dia em que Manuel Luiz Nunes ofereceu
… um finíssimo cocktail-party que terminou com champanhe (Diário Notícias
da Madeira, 1945)
e que contou com a
presença dos mais ilustres convidados: Percy Grabham Blandy, John Blandy, João
de Freitas Martins, Dr. Júlio Meireles, Francisco Henrique Cunha, Dr. Carlos
Santos Costa, Mr. Hart, Reginald Saunders [pai de Júlia, engenheiro da
Companhia da Luz], Alberto Veiga Pestana entre outros.
Entre sorrisos e lágrimas, percorremos cada sala, cada
recanto da memória. Os nossos passos foram seguindo o tempo que a as palavras
permitem, que os retratos evocam, que os silêncios revelam.
A D. Júlia viveu aqui. E este lugar – que é o lugar onde
trabalhamos – povoou-se de personagens, de vozes, de música, de nascimentos e
de mortes, de alma.
A home in Rua das Mercês
Júlia Nunes has lived in Rua das
Mercês, nº 8, in Funchal [ today’s office of Centro de Estudos de História do
Atlântico]. The owner of the
palace, Manuel Luís Nunes, Custom’s Official for more than 50 years, was her
grandfather.
During our talk we shared the joyful memories
of Julia’s childhood and teenage time. We visited our working offices, which,
suddenly and as if by magic, we turned into sitting-rooms, dinning-rooms,
bedrooms, kitchens and halls.
I used to come here often while the
house was being restored. I watched what the men were doing … many things were
destroyed … I just came here and argued with them.
The house had 10 rooms. The family was huge. Grandfather
Manuel had had 12 children and almost everyone, even after marrying, lived in
this house. He became a widow all too soon. Julia’s mother, for instance, she
lived here. Julia herself was born here. And her brothers. And her cousins. So
many things happened in this house:
At table, every day, there were
around 20 people. We had servants from Cape Verd. We had a woman to take care
of the laundry and to iron, another to do the sewing and there was a couple who
served at the table: she wore a black uniform and a white apron and he wore a
black suit and a white long jacket.
Evenings were excited moments. Apart from
playing “canastra”, there was always someone who played at the piano, a big
piano, explained Julia pointing to a [absent] location and suddenly we went
back in time, to the 21st December 1945, when Manuel Luis Nunes
organized
… an elegant cocktail-party that ended with
Champagne ( in Diário de Notícias da Madeira, 1945)
Where a lot of people were invited: Percy
Grabham Blandy, John Blandy, João de Freitas Martins, Dr. Júlio Meireles, Francisco
Henrique Cunha, Dr. Carlos Santos Costa, Mr. Hart, Reginald Saunders [Júlia’s
father, Electricity Company engineer], Alberto Veiga Pestana among others.
We
walked around each room and between tears and giggles we accompanied Julia’s
memories. Each step followed the rhythm allowed by the words that silences and
old photographs let us share.
Julia
Nunes has lived here almost her entire life. And this palace- the place where
we work every day – has transformed itself into a house of familiar faces,
voices, a house where people were born and some have died … a house with a
soul.
Sem comentários:
Enviar um comentário