terça-feira, 30 de abril de 2013
segunda-feira, 29 de abril de 2013
É PRECISO NÃO ESQUECER
Joel tem a guerra guardada dentro da voz. Entre a emoção e o
sorriso fala da Guiné, do serviço militar [ que era obrigatório], do espírito de
aventura que levou no barco.
- O Ultramar era uma forma de sair da ilha. Por isso, os
madeirenses viam isto de uma maneira diferente.
E o isto era a guerra. Apesar do fantasma da morte. Apesar.
Numa rajada de palavras, falou-nos do silêncio que se seguia
ao medo:
- Durante o fogo não há tempo: eles mandam, a gente
manda..... mas depois.... depois, não se pensa em nada. Olhamos uns para os
outros e esvaziamo-nos. É como uma bola cheia de ar....
E fala de outras coisas: da juventude que amadureceu de
repente; no outro eu que regressou,
na aflição persistente mesmo em tempo de paz : da angústia no meio da multidão;
na necessidade de se proteger continuamente:
- quem vai à guerra, fica de guarda. Para sempre.
Trouxe-nos documentos – memórias de papel: aerogramas que
recebeu de outros rapazes [- os da minha mulher, não. Não tenho esse direito.
],trouxe-nos o Diário do seu batalhão [está aqui a nossa vida toda], trouxe-nos
um dossiê de imprensa que construiu ao longo do tempo.
- É preciso não esquecer. – diz ele – É preciso não esquecer.
We must not forget
Joel has locked war inside his voice. Through emotion
and a disguised smile he told us about Guiné and about military service
[compulsory] and about adventure, the reason why some many young boys boarded
on the vessels.
-
Going to Overseas was the easiest way
to get out of the island. This is why Madeirans saw it differently.
And this was war meant. Even though the shadow of
death was always there.
Throwing words rapidly as if shooting a gun, he spoke about
the silence that followed fear:
-
During shooting there is no time:
they fire, we fire… and then… then…. We think about nothing. We look at each
other and we empty ourselves. It is like an air bubble… full of nothing….
And the remembered other things: of growing up too
fast, of the other self he has brought back with him, of the constant anxiety, of
the fear of crowds and of the need of being in permanent alert:
-
Those who have gone to war, are
always on guard. Forever!
He has shared some documents with us – memories kept
in papers: letters he has received from friends [not his wife’s, he couldn’t
share those] the journal of the battalion [ where our lives was written] and a
press journal he has gathered along these years.
-
We have to remember- he adds. It is
important not to forget.
quinta-feira, 25 de abril de 2013
Sobre retratos, memórias e esperanças
(...)
- Da última vez que o fui ver, ele entregou-me esta fotografia
Era um retrato velho, a preto e
branco, amarelado de tempo e carteira: um grupo de miúdos, com esperança e
risos no olhar, esboçava a vitória com os dedos, ao lado de um soldado, de arma
em punho (o Zé sabia o tipo de espingarda ou metralhadora que era). Também o
soldado olhava para a objectiva com a felicidade tatuada no sorriso. Era uma
fotografia tirada pelo Zé, no Largo do Carmo, com uma máquina velha que ainda
funcionava, na manhã do dia 25 de Abril.
A fotografia passou pelas mãos de todos. E todos
sabiam exactamente o significado que ela tinha para o amigo. Há gente que
guarda na carteira o retrato da mãe, do pai, da mulher ou da amante. O Zé
guardava esta fotografia e olhava para ela, vezes sem conta, sempre que
precisava matar saudades do tempo em que havia esperança.(de um texto por publicar)
quarta-feira, 24 de abril de 2013
mais uma história do calhau ... o Anão...
Chama-se Duílio, por causa de um vapor. Os mais velhos ainda
o conhecem como o Anão, um dos miúdos da
mergulhança que povoavam o calhau. É um homem pequeno que ainda (ou já-
porque tem 87 anos) ginga os passos ao ritmo do cigarro que leva à boca.
Ri muito, o Anão. Conta que a vida não era fácil, que
mergulhava da amurada dos vapores atrás da moeda que os “ingleses” atiravam.
Jogou no marítimo. O Sr. Alexandre andava atrás de nós quando
faltávamos aos treinos. Levávamos sopa de canelo.
- Sabe o que é sopa de
canelo?
Conta do Alemão.
- maldito que até meteu
o pai na prisão. Conta que era um Cabo do Mar terrível e que o prendeu em S.
Lazáro porque não tinha licença para mergulhar.
Quando foi para a tropa, só queria duas balas – uma delas era
para esse Cabo do Mar que nunca perdoou.
Um dia, resolveu ir. Venezuela. Um vapor daqueles que
conhecia tão bem. Clandestino.
- Entrei para
mergulhar. Enfiei-me na casa de banho e deixei-me ficar. Depois, depois foi
fácil. Era questão de não dar nas vistas e de se misturar com os outros.
Another tale from the seashore..
His name is Duílio. He was named after a
vessel. He is still known as the Dwarf –
one of the diving boys that used to live at the seashore in Santa Maria. He is
a small man of 87 years old that swings while walking following the rhythm with
which he takes his cigarette to his mouth.
He laughs a lot. And with a smile in his face
he told us how life was hard when he used to climb up on board and jumped into
the water to catch a penny that the passengers threw down to the sea.
He used to play football at Maritimo Football
Team. Mister Alexandre was always watching us and if we ever missed a training
session he would beat us up.
-
Do
you know what is to be banged around?
He also told us about a man whose nickname was
the German.
-
Dammed
him!!! He even put his father in prison, in São Lazáro, because he did not have
a license. He was such a mean man!!
When he joined the army he asked for two
bullets – and one of them was to shoot the German.
One day, he decided to leave Madeira. He went
on board one of the vessels and stayed there. He travelled under covered.
-
I
went on board as usual as if I was going to dive. I hid in the bathroom and
stayed there for some time. Then, then, it was easy. I just mingled with the
other passengers and pretended to be one of them.
( … to be continued…)
segunda-feira, 22 de abril de 2013
sexta-feira, 19 de abril de 2013
O MUNDO À JANELA
- Nasci nesta casa.
De volta à Rua de Santa Maria, L. percorre a calçada, a
lembrar a infância, as pessoas, os cheiros...
Vai devagar, como quem recolhe o passado e o guarda na
memória. Parou nesta janela. Conta que a mãe já não era nova quando ela nasceu
e que, para não ficar sozinha em casa, veio dar à luz para casa da comadre.
- esta era a casa da minha madrinha.
Fala ao ritmo da recordação. Tem os olhos parados num tempo
em que a vida se fazia na rua e as
janelas emolduravam as mulheres.
- O meu padrinho tinha uma telefonia. No tempo da guerra,
abriam esta janela e ouvíamos as notícias. Era o Fernando Pessa. Ficávamos ali à volta. em silêncio. O mundo
estava ali. Daquela janela (ou)via-se o mundo.
THE WORLD AT THE WINDOW
- I was
born in this house.
Back at Rua
de Santa Maria, L. walked along the pebble paved street and remembered her
childhood, people, friends, family,
flavours and fragances….
She walked
slowly as if trying to absorb all the details brought back from past memories.
Suddenly, she stopped at this window. And she explained that she was born at
that house. Her mother was not young anymore when she gave birth to this baby
girl and so extra care was need. This is why she went to her friend’s house to
deliver.
-
This
was my godmother’s house.
The rhythm
is as slow as her remembrances. Her blue eyes stared back at a time when life
was lived outside, in the front street and when windows framed the daily life
of women.
-
My
godfather had a radio set. During war time, this door was opened all day long
and we could listen to the news. Fernando Pessa was the speaker. We used to sit
on the floor and listened in silence. The whole world was there, just there, so
close to us. You see, we could listen to the voice of the world from this window….
quarta-feira, 17 de abril de 2013
Mais histórias do calhau....
Hoje o dia começou cedo!!! Às 7.30h o encontro estava marcado. Em frente à Sé! O senhor Augusto António ( nosso companheiro nesta angariação) esperava já pela Graça e juntos foram até ao Vera Cruz, onde o Anão os esperava!!!!
Não vamos
contar já a história … hoje ainda não… mas temos que partilhar a alegria deste
homem – Duílio José Lomelino que durante
muitos anos foi um ÀS DA MERGULHANÇA
e que partilhou connosco a sua história de vida … brincando aqui e acolá com
fantásticas tiradas em inglês - sim porque todos no calhau falavam
inglês!!!!
Aguardem!
One more tale from the seashore….
Today we had to wake up earlier than usual! At 7.30h
Graça had to be in front of the Cathedral in Funchal. António Augusto ( our
partner in this business of finding people who lived in Santa Maria) was
already waiting for them and together they went to Vera Cruz ( local bar) where
a man – called Anão ( dwarf) was waiting for them.
We are not going to tell the entire story …. not
today, sorry… but we do have to share the enthusiasm and cheeriness of Duílio José Lomelino who during many years
was THE KING OF DIVING and who
shared his life story with us … and who during our conversation, suddenly
started to speak in English …. explaining that - yes,
everybody spoke English at the seashore in Almirante Reis.
Don’t miss it!
segunda-feira, 15 de abril de 2013
Adeus, até ao meu regresso
No mato, muito para lá dos sonhos, os rapazes esperam.
África é uma prisão. O tempo passa no vagar do medo, na saudade de quem ficou
em casa, na ilha, no adiamento do futuro.
O furriel madeirense mostrou-nos o seu diário da guerra. Num
Bloco de notas, entre letras de músicas e registos pessoais, fomos desvendando
os segredos da caserna, conhecendo os camaradas de companhia, percebendo os
quotidianos e a importância de cada acontecimento.
O Araújo mostrou-nos as suas notas, momentos de um rapaz que a Pátria mandou para longe,
pedaços de uma história que vamos construindo, apoiados nos afetos e nas
memórias, no espírito de aventura e no medo de não voltar.
Regressou vivo e bem. Como na prece do poeta de O Menino de
Sua Mãe:
Que volte cedo e bem
(Fernando Pessoa)
Goodbye! See you soon!
The boys
waited hidden in the middle of the African jungle. There are no dreams there.
Africa is a prison. Time is stuck with fear and memories of home and of the
island almost fade away. Future has been postponed.
The Madeiran
official has shared his war diary with us. It is a notebook where personal
records are mixed with lyrics of songs. In the middle of these, we came across
the secrets of the barracks and we were introduced to the company members and
discovered the everyday habits and the importance of each event.
Araújo has
showed us his notes, records of a boy that Portugal has sent to the far distant
colonies to fight a war. This is a part of our history, memories embodied with
affection and tenderness and also in fear: not coming back!
He has come
back! Safe and sound! And as the poet has written:
Somewhere out there, at home, they are praying
So that I come back home alive.
( Fernando Pessoa)
quinta-feira, 11 de abril de 2013
HISTÓRIAS DO CALHAU
.... curiosidades ...
... os bomboteiros iam às Casas de Bordados buscar mercadoria para vender nos navios. Traziam as peças à consignação, com um preço previamente combinado. Tudo o que ganhavam para além disso, era lucro. Estes homens do mar eram, na sua maioria, analfabetos. Conheciam, porém, os números. E era assim: preso com um alfinete, à toalha, por exemplo, estava um código deles. Imaginemos: 7856430120 – isto significava que tinham de entregar à casa 120$00. Ora, o preço que pediam aos “ingleses” era 300$00 e iam regateando. Tudo o que ultrapassasse os 120$00 era para eles....
... muitas mulheres bordavam em casa. No entanto, para ir
para bordo, as peças tinham de ser certificadas pelo Grémio. Havia um selo de chumbo preso com linhas de
cores que se vendiam numa loja da Rua
dos Tanoeiros. Ora, havia o J. que era jeitoso e que falsificava os
bordados que as mulheres faziam em casa
e que iam misturados com os outros, os autênticos.
... no regresso, algumas canoas eram revistadas, a ver se traziam contrabando. E, muitas vezes, vinha: eram cigarros, salsichas, leite condensado, marmelada.... tesouros que faziam a festa em casas onde se comia, geralmente, milho com café.
Tales from
the seashore
(loosen
tracks)
…. the
bumboat salesmen used to go to the Embroidery Factories in order to buy
handmade towels to be sold, later, on board the vessels. The price was
previously agreed and if it was sold by a higher price, it was all profit.
These men were illiterate but knew the coins very well and their exact value.
How did they manage? They tied up a small paper to the cloth with a code on it.
For instance, 7856430120 – meaning that he had to pay 120$00 to the factory. So,
they started by asking for 300$00 and tried to reach an agreement that was not
lower to the price they had to hand in at the embroidery factory.
… many
women embroidered at home. However, the pieces that were sold on board needed a
certification warrant issued by the Grémio. There was a metal stamp that was
tied to the embroidery piece with a coloured string which was sold at a shop in
Rua dos Tanoeiros. One of the boys was very skilled so string was bought at the
mentioned shop and a false stamp was attached to the embroidery done at home which
was equally sold at the vessels.
… these
homemade embroidery ( with no legal stamp) were the ones sold at first. Only
then would the bumboat salesman sell the ones he had bought at the factory.
… when the boats came ashore, sometimes guards were waiting for them to see if there was any smuggling merchandize. In fact, very frequently these men brought back several things: cigars, sausages, canned milk, marmalade, corn beef … small treasures that enriched meals at local houses where usually there was only bread, cooked maize and coffee to eat and drink
….
segunda-feira, 8 de abril de 2013
O palacete da Rua das Mercês
Júlia Nunes viveu na Rua das Mercês,
nº 8, no Funchal [hoje, sede do Centro de Estudos de História do Atlântico]. O
proprietário do palacete das Mercês, Manuel Luís Nunes, despachante oficial da
Alfândega do Funchal durante mais de 50 anos, era seu avô.
Ao longo da nossa conversa, fomos
acompanhadas pela jovialidade e pelas memórias da infância e juventude de Júlia
Nunes. Percorremos as salas do nosso habitual local de trabalho que, de
repente, e quase por magia, se tornaram em salas de estar, salas de jogo,
quartos de dormir, cozinhas e arrecadações.
- Eu andava sempre aqui, enquanto decorriam as obras. Não largava os homens...
Deitaram imensa coisa abaixo … e eu vinha para aqui brigar.
A casa tinha 10 quartos. A família
era grande. O avô teve 12 filhos e quase todos, mesmo depois de casados, foram
ficando por cá. O avô ficou viúvo muito cedo. A mãe, por exemplo, viveu sempre
aqui. Júlia nasceu aqui. E os irmãos. E os primos. Muita coisa se passou nesta
casa:
- Todos os dias à mesa, tínhamos cerca de 20 pessoas. Havia criados de
Cabo Verde. Uma engomadeira. Uma costureira. E um casal que servia à mesa: ela
de farda preta e avental branco e ele de fato preto e casaca branca.
Os serões também eram animados. Além
da canastra, tocava-se piano: um piano enorme, de cauda, explica Júlia Nunes,
apontando para um ali [ausente] que nos fez recuar até ao dia 21 de dezembro de
1945, dia em que Manuel Luiz Nunes ofereceu
… um finíssimo cocktail-party que terminou com champanhe (Diário Notícias
da Madeira, 1945)
e que contou com a
presença dos mais ilustres convidados: Percy Grabham Blandy, John Blandy, João
de Freitas Martins, Dr. Júlio Meireles, Francisco Henrique Cunha, Dr. Carlos
Santos Costa, Mr. Hart, Reginald Saunders [pai de Júlia, engenheiro da
Companhia da Luz], Alberto Veiga Pestana entre outros.
Entre sorrisos e lágrimas, percorremos cada sala, cada
recanto da memória. Os nossos passos foram seguindo o tempo que a as palavras
permitem, que os retratos evocam, que os silêncios revelam.
A D. Júlia viveu aqui. E este lugar – que é o lugar onde
trabalhamos – povoou-se de personagens, de vozes, de música, de nascimentos e
de mortes, de alma.
A home in Rua das Mercês
Júlia Nunes has lived in Rua das
Mercês, nº 8, in Funchal [ today’s office of Centro de Estudos de História do
Atlântico]. The owner of the
palace, Manuel Luís Nunes, Custom’s Official for more than 50 years, was her
grandfather.
During our talk we shared the joyful memories
of Julia’s childhood and teenage time. We visited our working offices, which,
suddenly and as if by magic, we turned into sitting-rooms, dinning-rooms,
bedrooms, kitchens and halls.
I used to come here often while the
house was being restored. I watched what the men were doing … many things were
destroyed … I just came here and argued with them.
The house had 10 rooms. The family was huge. Grandfather
Manuel had had 12 children and almost everyone, even after marrying, lived in
this house. He became a widow all too soon. Julia’s mother, for instance, she
lived here. Julia herself was born here. And her brothers. And her cousins. So
many things happened in this house:
At table, every day, there were
around 20 people. We had servants from Cape Verd. We had a woman to take care
of the laundry and to iron, another to do the sewing and there was a couple who
served at the table: she wore a black uniform and a white apron and he wore a
black suit and a white long jacket.
Evenings were excited moments. Apart from
playing “canastra”, there was always someone who played at the piano, a big
piano, explained Julia pointing to a [absent] location and suddenly we went
back in time, to the 21st December 1945, when Manuel Luis Nunes
organized
… an elegant cocktail-party that ended with
Champagne ( in Diário de Notícias da Madeira, 1945)
Where a lot of people were invited: Percy
Grabham Blandy, John Blandy, João de Freitas Martins, Dr. Júlio Meireles, Francisco
Henrique Cunha, Dr. Carlos Santos Costa, Mr. Hart, Reginald Saunders [Júlia’s
father, Electricity Company engineer], Alberto Veiga Pestana among others.
We
walked around each room and between tears and giggles we accompanied Julia’s
memories. Each step followed the rhythm allowed by the words that silences and
old photographs let us share.
Julia
Nunes has lived here almost her entire life. And this palace- the place where
we work every day – has transformed itself into a house of familiar faces,
voices, a house where people were born and some have died … a house with a
soul.
quinta-feira, 4 de abril de 2013
HISTÓRIAS DO CALHAU 2
[LEMBRANÇAS DA GUERRA]
Era um menino ainda. Teria uns sete ou oito anos, não mais... a guerra fazia-se lá fora, mas a ilha conhecia bem o seu preço. Os marítimos – homens que faziam do mar a sua vida – também, pois os barcos já não vinham, porque – dizia-se – as águas estavam infestadas de submarinos .
Desse tempo duro, de falta de tudo, o nosso amigo Augusto
guarda a lembrança de uns fardos que
davam à costa no Almirante Reis: eram destroços de bóias ou de navios que
encantavam os miúdos que faziam do calhau o seu quintal.
- Lembro-me tão bem...
O Sr. Augusto reconstrói a história que vai contar; escolhe
as palavras, procura na memória as cores, as sensações, os pormenores:
- Eu já andava, há muito tempo, atrás do meu avô para que me levasse, à
noite, na canoa. Os pescadores contavam que, à nooite, no Toco, às vezes,
apareciam umas luzes na encosta, que eram feiticeiras. Eu tinha muito medo, mas ficava encantado com
as coisas que os homens do mar inventavam... Uma noite, o avô levou-me.
Nos seus olhos, o tempo.
O menino ainda não se dava bem com os balanços da canoa. E
ficava olhando o mar e a noite e
- Avô, uma baleia!
Havia uma “coisa” negra a emergir. Enorme.
Foi então que o avô,
«Shiu! Não faças barulho. Não é uma baleia. É um submarino
alemão. Não tenhas medo. Eles não nos fazem nada. Se sair alguém é para pedir
peixe....Em troca, dão qualquer coisa deles....»
Esperámos. Não saíu ninguem... Voltámos para casa em
silêncio. E eu não cheguei a ver as feiticeiras que iluminavam a noite....
Tales from
the seashore – part II
[war
memories]
I was still a kid. Maybe seven or eight years old …
not more than that… and there was a war somewhere out there, almost unknown in
Madeira. The sea men – those who were depended on the sea – noticed immediately
because vessels did not stopped at Funchal – because the waters were full of
submarines.
Our friend António Augusto remembered that once in a
while the beach at Almirante Reis there could be found pieces of ships, strange
objects that obviously marveled the kids.
- -
I remembered it so well…
He tried to build the story in order to tell us, he
chose the words, and made an effort to select the perfect colours, the
sensations so as not to forget all the details:
-
I had insisted with my grandfather to
take me with me in the canoe, during the night. I had heard fishermen telling
that sometimes, at Toco (beach) lights could be seen and they said it were
witches. I was scared! Really scared but at the same time, anxious to go with
them… and one day my grandpa took me with him.
Time stood still in his eyes.
António Augusto
was not used to the rhythm of the sea and felt sea sick. He tried to focus his
eyes on the darkness of the sea and of the night.
-
Grandpa, look! A whale!
There was something coming up indeed! Dark! Huge!
And immediately, his grandfather told him,
-
Shiu! Don’t make any noise. Stand
still! It is not a whale. It is a German submarine. Don’t be afraid. They won’t
hurt us. If someone comes out I will give them fish … in exchange, they will
give me something else…
We waited for a few moments. Nobody came out. We
returned home quietly. I was a bit disappointed, though. I had not seen the
witches, after all!
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